quinta-feira, setembro 10, 2009

Igreja: a imunidade tributária e o dízimo inflacionado

O que a lei diz a respeito de tributação às igrejas e o uso que elas devem fazer dos dízimos e dos meios de comunicação?

No dia 12 de agosto, os principais jornais televisivos do país, mais especificamente a TV Globo, trouxe reportagem sobre denúncia apresentada pelo Ministério Público Paulista, referente à lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, em que o líder da Igreja Universal do Reino de Deus, bispo Edir Macedo, é apontado como principal mentor.

Na reportagem, pode-se ver a metodologia agressiva dos pastores da Universal pedindo e arrecadando cifras enormes, que variavam de R$ 10.000,00 a R$ 100.000,00, com bens móveis e imóveis solicitados aos gritos, no intuito de provocar nos membros a mais completa prodigalidade sem chance alguma para o terreno da razão.

O intuito deste texto é apresentar de forma sucinta o que diz a lei sobre a relação da igreja com os meios de comunicação, a imunidade tributária concedida pela Constituição Federal, e o possível crime de estelionato na arrecadação das ofertas.

É sabido que as igrejas têm proteção constitucional no que se refere à liturgia, forma dos cultos, meios e locais para se expressar, etc. No art. 5, inc. VI, da Constituição Federal, lê-se o seguinte: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida na forma da lei a proteção aos locais de culto e suas liturgias.”

Depreende-se do referido artigo que a igreja pode usufruir de todos os meios de comunicação na forma da lei, inclusive a televisão, tanto a TV aberta, que é concessão do Estado, como a TV fechada, que comumente dizemos TV paga.

Em que momento, então, pode ocorrer a ilegalidade de determinada igreja no uso de uma concessão pública? No art. 223 da Constituição Federal, encontramos o seguinte texto: “Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observando o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.”

Se buscarmos no próprio texto da Constituição, no art. 19 caput e inc. I, veremos a vedação do Estado no que se refere ao relacionamento dele com as igrejas, texto que se contrapõe ao artigo 223 citado acima, no qual se lê: “Art. 19: É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

“Inc. I: estabelecer cultos religiosos ou igrejas; subvencioná-los; embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.”

Respondendo à questão suscitada acima, da ilegalidade da igreja em relação ao uso da concessão pública, está claro que igreja alguma pode obter a concessão de um canal de TV e fazer dela uso comercial em concorrência com as demais. Se isso ocorrer, o Estado está passando por cima do texto constitucional privilegiando uma igreja em detrimento de outras e corroborando uma concorrência desleal em que uma igreja pode arrecadar grande volume de dinheiro e transferir para interesses nada ligados ao objetivo primordial da igreja. A igreja não pode estabelecer, à margem da lei, aquilo que extrapola as atividades fim da liturgia e dos cultos. O legislador, ao criar os artigos constitucionais citados, procurou exatamente evitar a comercialização da fé.

Do importante artigo escrito pelo Dr. Ericsom Meister Scorsim, mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná e doutor pela Universidade de São Paulo, sobre o tema em questão, extraio o seguinte parágrafo: “Outro sério problema consiste no desvio dos recursos dos fiéis para o enriquecimento privado dos gestores e controladores da igreja. Se configurada a coação psicológica para forçar a arrecadação de recursos há séria ilegalidade. Uma situação legítima é a expressão e difusão da fé, outra totalmente diferente é a exploração da fé do público. Os administradores que eventualmente pratiquem abusos na gestão da instituição devem ser punidos. Ora, se a TV pertence à igreja, então, obviamente, a programação deve ser compatível com a natureza religiosa. Ou seja, deve estar voltada ao ensino da religião, da cultura, à informação e ao culto. O valor central a ser defendido é o princípio da dignidade humana. Ademais, as televisões religiosas não escapam da vinculação aos princípios constitucionais catalogados no art. 221 da Constituição” (“Igrejas na televisão: acesso e limites. Da fé no mercado ao mercado da fé?” Texto extraído do Jus Navigandi).

Outra questão a ser abordada seriamente aqui é a imunidade tributária a que as igrejas têm prerrogativa. Citando ainda a Constituição Federal, o legislador estabeleceu, visando preservar o alto serviço social que a igreja presta em nossa sociedade, prover, em contrapartida, a isenção relativa a alguns tributos, compensando assim os serviços prestados pela igreja naquilo que o Estado dividiu com os entes religiosos, a saber o fim social.

Estabelece a Constituição Federal, em seu art. 150 caput, inc. II, inc. VI, alínea b e parágrafo 4, o seguinte: “Art. 150: Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

“Inc. II: instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

“Inc. VI: instituir impostos sobre:

“alínea b: templos de qualquer culto

“Parágrafo 4: As vedações expressas no inciso VI, alíneas b e c, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nela mencionadas.”

O texto constitucional é bem claro no que diz respeito à isenção tributária e à imunidade. Primeiramente, o texto estabelece que não deve existir um contribuinte em igualdade com outro e receber tratamento diferenciado. Determinada igreja recebe a imunidade tributária, mas faz uso comercial da arrecadação do dinheiro dos membros investindo em bens móveis, imóveis, adquire canal de TV e comercializa sua programação completamente fora do seu propósito religioso. Estamos diante de uma ilegalidade constitucional.

É claro o texto também quando diz onde deve recair a imunidade dos tributos. Estabelece a lei que será vedada a cobrança somente no patrimônio, na renda e nos serviços relacionados com as finalidades essenciais da igreja. Portanto, não pode a igreja desvirtuar tal benefício em prol de coisas que não estejam estritamente ligadas ao objetivo e propósito de sua existência: o de levar a fé e o conforto espiritual dentro do seu templo. A igreja não está impedida de usar nenhum meio de comunicação, desde que seu uso seja estritamente espiritual e de acordo com a sua filosofia e seu propósito como igreja. Cito ainda o Dr. Scorsim, que diz em outro parágrafo:

“A meu ver, a lei não proíbe que as igrejas acessem a atividade de televisão. É proibido, isto sim, que as organizações religiosas sejam proprietárias de emissoras de televisão. Reprise-se que não é admissível que elas possuam emissoras comerciais, isto é, com finalidades lucrativas. A igreja não é um negócio, nem um instrumento para o enriquecimento privado. Também, não pode servir como plataforma eleitoral para candidatos a cargos públicos. Se uma determinada organização com fins religiosos mantiver uma televisão comercial haverá desvio de finalidade” (texto extraído do Jus Navigandi).

Concluindo, gostaria ainda de trazer a lume algumas práticas de arrecadação do dinheiro dos fiéis que podem estar à margem da lei. Na reportagem citada acima, vi bispos e pastores de determinada igreja praticamente leiloando a fé dos membros pedindo altas cifras para a igreja. É bom lembrar o texto bíblico de Malaquias 3:10, no qual está embasada a devolução do dízimo pelos fiéis e pelo qual Deus orienta a matemática da cobrança dos rendimentos:

“Trazei todos os dízimos ao tesouro do templo, para que haja mantimento na Minha casa, e provai-me nisto, diz o Senhor dos exércitos, e vede se não abrirei as janelas do céu e não derramarei sobre vós bênçãos, que não conseguireis guardá-las.”

Infelizmente, algumas denominações se afastam do critério bíblico inflacionando o dízimo e recaem muitas vezes na prática do crime de estelionato, conforme está disposto em nosso Código Penal. Diz o texto penal em seu art. 171: “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento:

“Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos e multa.”

Muitas pessoas se deixam levar pela promessa de recursos abundantes mediante a doação de bens móveis, imóveis e dinheiro, querendo dessa forma que Deus triplique suas posses materiais. Não há embasamento bíblico para isso, e se pessoas são instadas a fazer isso mediante apelo psicológico, técnicas de oratória e irresistível emoção, pode-se estar diante do crime de estelionato.

(Livingston Santos Streck, bacharel em Direito)

segunda-feira, setembro 07, 2009

Gênesis é um relato literal?

Gostaria que vocês comentassem sobre o texto de Reinaldo José Lopes, publicado no site Globo.com, no dia 16 de maio de 2009. – L.

1. Jesus confirmou a historicidade do Gênesis ao citá-lo como sendo um livro literal. E jamais entendeu que houvesse “dois relatos da criação”. Ao dizer que o ser humano foi criado, nem passou pela mente do Salvador a ideia absurda de que pudessem existir contradições na Bíblia. Veja o texto a seguir: “Então, respondeu Ele: Não tendes lido que o Criador, desde o princípio, os fez homem e mulher e que disse: Por esta causa deixará o homem pai e mãe e se unirá a sua mulher, tornando-se os dois uma só carne? De modo que já não são mais dois, porém uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem” (Mateus 19:4-6).

Duvido que Lopes saiba mais sobre a Bíblia – e a cultura hebraica – do que o próprio Jesus Cristo...

2. Pedro também reconheceu a literalidade do Gênesis ao fazer menção ao Dilúvio: “...os quais, noutro tempo, foram desobedientes quando a longanimidade de Deus aguardava nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca, na qual poucos, a saber, oito pessoas, foram salvos, através da água” (1 Pedro 3:20).

3. Paulo – homem de grande cultura acadêmica para os dias dele – também acreditava que o Gênesis era literal ao mencionar Adão e citar Gênesis 2:7: “Pois assim está escrito: O primeiro homem, Adão, foi feito alma vivente. O último Adão, porém, é espírito vivificante” (1 Coríntios 15:45).

4. Gênesis faz parte do Pentateuco – coleção de cinco livros históricos. Ambos apresentam narrativas de fatos que realmente aconteceram e jamais o autor (Moisés) quis dar ao que escreveu qualquer tom de “poesia” associada a “simbolismo”.

5. O fato de o Criador ser mencionado como “Deus” no capítulo 1 e “Senhor Deus” no capítulo 2 não apresenta problema algum na mente de quem estuda a Bíblia com sinceridade. Por que Deus não poderia ser chamado de maneira diferente, sendo que Ele possui vários nomes na Bíblia que descrevem o caráter dEle? Argumento muito simplista o do autor do artigo!

6. O verso 4 do capítulo 2 é a conclusão do relato do capítulo 1! Será que Reinaldo José Lopes não sabe que a divisão da Bíblia em capítulos e versículos veio posteriormente e que o fato de uma frase estar noutro capítulo não indica necessariamente o começo de um novo relato?

7. Segundo o Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, “de maneira alguma se pode considerar que o capítulo 2 seja outra versão do relato da Criação, do capítulo precedente. Seu propósito é colocar Adão e Eva em seu lugar no jardim do Éden, e isso é feito para proporcionar [ao leitor] informação adicional”. É por isso que não há no capítulo 1 a informação de que a mulher foi feita da costela de Adão.

8. A respeito do verso 5 – pelo qual o autor do artigo julga apresentar uma “prova” de que o relato é contraditório – afirma o comentário supracitado: “Os versos 4-6 antecipam a criação do homem descrita no verso 7, ao detalhar brevemente a aparência da superfície da terra, particularmente com respeito à vegetação, pouco antes de o ser humano ter sido formado no sexto dia da semana da criação.” O articulista deveria usar comentários bíblicos fiéis no estudo da Bíblia para não escrever coisas que não têm apoio algum com base nas regras da hermenêutica.

9. O uso do verbo plural “façamos”, em Gênesis 1:26, não é um diálogo entre Deus e Seus “conselheiros angélicos” porque os anjos não têm a prerrogativa de serem criadores (cf. Hebreus 1:14). A Bíblia apresenta a Deus como único Criador (Malaquias 2:10). O verbo no plural nos ajuda a entender o porquê de o nome Deus no primeiro versículo ser usado em forma plural (Elohim): a Trindade estava envolvida na Criação – ver João 1:1-3, Jó 33:4 e Salmo 104:30 (o tal “plural majestático”, sim, é uma lenda! Se Lopes prefere acreditar nisso...).

10. A declaração a seguir do articulista também é de pasmar: “O mandamento de guardar o sábado, na maioria dos textos bíblicos, como em Deuteronômio 5, 12-15, não usa a Criação como justificativa, o que parece indicar que a ideia foi introduzida de forma tardia na cultura israelita.”

Isso não tem cabimento. Antes de a Lei ser dada no Sinai, o povo já sabia que o sábado deveria ser celebrado como memorial da Criação. Basta ler o episódio do maná em Êxodo 16. Em Deuteronômio 5:12-15, Deus apresenta apenas uma razão adicional para eles observarem o sétimo dia: por terem sido escravos no Egito, deveriam descansar e dar descanso a qualquer pessoa que estivesse sobre a jurisdição deles.

Em Deuteronômio 5:12-15, há também uma aplicação teológica vital para os cristãos de hoje: assim como o povo Israelita observou o sábado também por ter sido liberto da escravidão do Egito, hoje devemos celebrar o sábado também por Deus nos ter libertado da escravidão do pecado por meio de Jesus Cristo (João 8:36).

11. Portanto, a frase “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come” se aplica a Lopes, pois ele tem duas opções: aceitar o que Deus ensina sobre a Criação dEle ou ficar ao lado de Charles Darwin.

E, para finalizar: todo criacionista esclarecido jamais nega a importância da ciência e da explicação evolucionista a respeito da microevolução. O que não aceitamos – assim como os Pais da Ciência e muitos cientistas atuais – é a macroevolução, que jamais foi vista em laboratório...

(Leandro Quadros, jornalista e consultor bíblico da Novo Tempo)

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