segunda-feira, junho 27, 2011

1 Samuel 28 apoia a necromancia e o espiritismo?

Quando Saul consultou uma feiticeira, o espírito que ela fez subir era mesmo Samuel? Isso não prova a existência de vida após a morte e de espíritos de mortos?

“Entre as operações de maior êxito do grande enganador, encontram-se os ensinos ilusórios e prodígios de mentira do espiritismo. Disfarçado em anjo de luz, estende suas redes onde menos se espera. Se os homens tão-somente estudassem o Livro de Deus com fervorosa oração a fim de o poderem compreender, não seriam deixados em trevas, à mercê das doutrinas falsas. Mas, rejeitando eles a verdade, são presa da ilusão.”[1]

As palavras acima, escritas no século 19, são uma descrição precisa da religiosidade brasileira. O ano de 2010 ficou marcado pelo lançamento de um dos principais filmes do cinema brasileiro de todos os tempos, “Chico Xavier”, que enaltece a figura do principal médium nascido em terras nacionais. Estima-se que mais de um milhão de espectadores passaram por salas de cinemas em todo o território nacional nos dez primeiros dias de exibição.

É evidente que, como adventistas, não compartilhamos os ensinamentos do espiritismo. Cremos na imortalidade condicional do ser humano, e não que a imortalidade lhe seja natural.[2] No entanto, como entender a problemática passagem de 1 Samuel 28, segundo a qual aparentemente o profeta Samuel retornou do mundo dos mortos e se comunicou com o rei Saul?[3] Esse texto se tornou um dos principais argumentos a favor da abordagem espírita das Escrituras Sagradas.

Neste artigo, faremos uma análise cuidadosa das informações fornecidas pelo texto bíblico. Vamos obter uma compreensão do relato a partir de textos rituais de necromancia entre os povos da Mesopotâmia e Canaã.

Saul e a necromante

A cidade de En-Dor ficava a aproximadamente 7 km de Gilboa, onde o acampamento filisteu estava arregimentado (v. 3). Devido a essa geografia, Andrew Fausset sugere que provavelmente Saul tenha passado pelo acampamento inimigo antes de chegar até a necromante,[4] o que faz sentido quando lemos que Saul se disfarçou antes do encontro (v. 8). A mesma informação é dada por Ellen White.[5] Ele correu todo esse risco apenas para encontrar alguém que pudesse aliviar-lhe o medo por meio de uma sessão de necromancia!

O texto bíblico não oferece detalhes sobre os processos ritualísticos ocorridos durante a seção mediúnica. Dispomos apenas do diálogo entre a necromante e Saul. Por cinco vezes o verbo “subir” (heb. ‘alah) é utilizado na conversa, como se lê entre os versos 11 a 15. Nessas passagens, o verbo está relacionado ao ato de fazer uma entidade morta voltar para o mundo dos vivos e comunicar sua mensagem. Um estudo aprofundado desses versos revelará a chave para uma compreensão bíblica séria de todo o capítulo.

Ao ser questionada sobre o que estava vendo em seu transe, a médium de En-Dor respondeu: “Deuses subindo eu vejo” (tradução literal). Curiosamente, o substantivo ‘elohim é usado nessa passagem para se referir a uma entidade morta! O motivo desse uso pode ser mais bem apreciado quando lembramos que entre muitos dos povos do Antigo Oriente Médio ancestrais costumavam ser adorados como deuses.

Em textos mesopotâmicos, por exemplo, o substantivo ilu, palavra acadiana para “deuses”, é usado largamente para se referir a mortos. Theodore Lewis, acadêmico da Johns Hopkins University, demonstrou o mesmo fenômeno em textos assírios, babilônicos, egípcios, hititas, fenícios e ugaríticos.[6] O mesmo ocorria em Canaã, como pode ser notado numa rápida comparação entre Números 25:2, onde é dito que os israelitas comeram sacrifícios dos deuses dos moabitas, e o Salmo 106, no qual o autor afirma que eles comeram sacrifícios dos mortos (v. 28).[7] Esses textos sugerem que entre os povos de Canaã os mortos também eram chamados de deuses (‘elohim).

Um intérprete sério e honesto das Escrituras não pode considerar a aparição do antigo profeta a Saul como sendo de origem divina, uma vez que o texto é claro em dizer que Deus não respondeu ao rei por nenhum dos métodos de revelação (v. 6). O que temos em 1 Samuel 28 é um ritual pagão totalmente contrário aos mandamentos de Deus (cf. Dt 18:9-13).

Saul parece ignorar o fato de que a necromante estava vendo vários deuses/espíritos mortos e muda do plural para o singular com a pergunta “Como é sua aparência?” (v. 14). Quem sabe temendo pela sua vida (cf. v. 9), ela agradou a Saul dizendo que estava vendo “um ancião subindo envolto numa capa” (v. 14). O que levou Saul a identificar esse “ancião” com Samuel, como pode ser lido no mesmo verso 14? Aparentemente a capa (heb. me’il) era uma característica da vestimenta do profeta (cf. 1 Sm 15:27; 2:19), mas ainda assim fica difícil ver alguma conexão entre o “ancião” e Samuel.

É bem provável que essa questão seja elucidada através de um problema textual no verso 14. P. Kyle McCarter Jr., do Departamento de Estudos Orientais da Jonhs Hopkins University, notou que há uma dificuldade em se aceitar a tradução “ancião” ou “homem velho” (‘ish zaqen) com base na versão grega do Antigo Testamento, a LXX.[8] Ao invés de zaqen, “velho”, em hebraico, é provável que a forma original da palavra tenha sido zaqep, cujo significado é “ereto”, mas nesse texto deve ter o sentido de “surpreendente”.[9] A diferença na grafia das duas palavras é mínima, uma vez que as formas finais das letras “n” e “p”, em hebraico, são bem semelhantes.

Se essa reconstrução do texto estiver correta, a necromante de En-Dor não ficou assustada por ver um homem velho, mas sim um ser inesperado que lhe causou pavor. Sua identificação entre esse ser e Samuel pode ter sido motivada pelo medo de Saul não cumprir sua palavra de preservação (cf. v. 9).

Saul e Samuel

Uma situação que causa certo desconforto quando esse capítulo é tratado em círculos adventistas é o fato de lermos em dois versos (v. 15 e 16) a expressão “Samuel disse...”, uma vez que ele já estava morto, como narrado em 1 Samuel 25:1. O teólogo adventista Greenville J. R. Kent, Ph.D em Antigo Testamento pela The University of Manchester, responde a essa situação comparando com a narrativa de Dagom, em 1 Samuel 5, em que as descrições desse deus filisteu sãos as mesmas de um ser humano. Os versos 3 e 4, por exemplo, dizem que Dagom estava com o rosto em terra, uma atitude praticada apenas por seres humanos, e não por um ídolo de madeira ou de metal. Para Kent, afirmar que “Samuel disse” ou que Dagom estava com o “rosto em terra” é uma técnica literária em que o autor bíblico apresenta o ponto de vista dos personagens, independentemente de serem ou não pagãos.[10]

Outra preocupação de alguns adventistas com esse capítulo tem que ver com a profecia, aparentemente cumprida, feita pelo “espírito” de Samuel que, no fim do seu discurso, fez uma chocante afirmação: “Amanhã, você e seus filhos estarão comigo” (v. 19).

Há pelos menos três observações a serem feitas a respeito dessa declaração: (1) Que parâmetro confuso é esse utilizado pelo espírito em colocar um profeta de Deus, Samuel, e um monarca rejeitado por Deus, Saul, no mesmo lugar após a morte? Com amplo apoio escriturístico, podemos afirmar que justos e injustos não terão o mesmo destino (cf. Jo 5:28, 29; 1Ts 4:16, 17; Ap 20:4-6; etc.); (2) nem todos os filhos de Saul morreram com ele, na batalha registrada em 1 Samuel 31; logo no início de 2 Samuel, somos informados de que outro filho de Saul esteve envolvido numa tentativa de usurpação do trono, Isbosete, também chamado de Isbaal (2Sm 2:10); (3) Saul não foi entregue nas mãos dos filisteus, mas cometeu suicídio (1Sm 31:12, 13).[11]

Considerações finais

O trágico fim da vida de Saul deve servir de alerta para uma geração de cristãos cercados de influências espíritas, contrárias à Palavra de Deus. Entrar no terreno do inimigo pode saciar temporariamente a curiosidade pelo sobrenatural, mas terá um custo extremamente alto. Um adventista do sétimo dia sentiu isso na pele.

Moses Hull era um pregador com diversos talentos. Além de inteligente e hábil com as palavras, seu interesse se voltou para debates com alguns espiritualistas. Houve certo êxito em alguns casos, e ele levou alguns de seus oponentes ao cristianismo, mas quando um debate com o médium W. F. Jamiesen, em Paw Paw, Michigan, foi realizado, a mente de Hull se tornou confusa e a língua dele ficou estranha.[12]

Ellen White o aconselhou diversas vezes, mas sem êxito.[13] Hull pregou seu último sermão como adventista em 20 de setembro de 1863, e após isso o que se viu foi o surgimento de um líder nas fileiras do espiritualismo. Após deixar a esposa, ele se casou com uma médium espírita chamada Mattie E. Sawyer. Em 1902, Hull se tornou o primeiro diretor do Morris Pratt Institute, uma escola especializada em treinar médiuns espiritas. Somado a isso, ele é tido como o responsável por adicionar textos bíblicos para embasar a doutrina espírita. Tragicamente, Moses Hull cometeu suicídio em 1907, em San Jose, na Califórnia.[14]

Saul e Moses Hull. Dois homens separados por quase três mil anos que caíram no mesmo erro. Paulo estava certo quando disse: “Aquele, pois, que pensa estar em pé, cuide para que não caia” (1Co 10:12).

(Luiz Gustavo S. Assis é pastor distrital em Caxias do Sul, RS)

1. Ellen G. White, O Grande Conflito (Tatuí, SP: CPB, 1995), p. 524.
2. Gerard Damsteegt, Nisto Cremos: 27 ensinos bíblicos dos adventistas do sétimo dia (Tatuí, SP: CPB, 2003), p. 452-468.
3. Para mais informações sobre a história da interpretação de 1 Samuel 28 nos círculos judaicos e cristãos, ver K. A. D. Semelik, “The Witch of Endor: 1 Samuel 28 in Rabbinic and Christian Exegesis Till 800 A.D.”, Vigiliae Christianae 33, 1997, p. 160-179.
4. Andrews Fausset, Bible Encyclopedia and Dictionary Critical and Expository, (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1997), p. 205.
5. Ellen G. White, Patriarcas e Profetas (Tatuí, SP: CPB, 1995), p. 679.
6. Theodore J. Lewis, “The Ancestral Estate in 2 Samuel 14:16”, Journal of Biblical Literature 110/04, 1991, p. 600, 601.
7. Lewis, p. 602.
8. P. Kyle McCarter, Jr., I Samuel: The Anchor Bible 8 (New York: Doubleday, 1980), p. 421.
9. Theodore Lewis menciona dois documentos acadianos nos quais a palavra zapaqu, cognata de zaqep, foi utilizada para se referir ao ato de cobras ficarem eretas, quando prontas para dar o bote, e, curiosamente, outro texto falando do fantasma de um morto que deixou o cabelo de alguém em pé! Ambos os textos se referem a “uma noção súbita ou surpreendente associada com medo”. Cults of the Dead in Ancient Israel and Ugarit (Atlanta, GA: Scholars Press, 1989), p. 116. Portanto, a tradução de zapeq em 1 Samuel 28:14 deve levar em conta esse background etimológico.
10. Greenvile J. R. Kent, “Did the Medium at En-Dor Really Bring Forth Samuel?”, em Gerhard Pfandl, ed., Interpreting Scripture: Bible Questions and Answers, Biblical Research Institute Studies, v. 2 (Silver Spring, MD: Biblical Research Institute, 2010), p. 199.
11. Kent, p. 198.
12. Herbert E. Douglass, Mensageira do Senhor: O ministério profético de Ellen G. White (Tatuí, SP: CPB, 2003), p. 231.
13. Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja (Tatuí, SP: CPB, 2006), p. 1:426-437.
14. James R. Nix, “The Tragic Story of Moses Hull”, Adventist Review 164:35 (agosto de 1987), p. 16.

sexta-feira, junho 24, 2011

A autoria dos evangelhos e supostas modificações

Em resposta à postagem “O Novo Testamento é historicamente confiável”, R. escreveu o seguinte comentário: “Eu diria que o Novo Testamento [NT] contém uma história que é verdadeira que, certamente, deve ter sido recebida oralmente pelos autores anônimos dos Evangelhos e de Atos que não se identificaram naquelas formidáveis obras. Porém, na elaboração de uma exegese sincera e honesta, torna-se indispensável questionar as modificações que foram feitas no texto e a possibilidade de que estejamos lendo algo que já passou por várias penas. E, já no século 19, teólogos alemães foram capazes de levantar consideráveis questionamentos. Logo, é de se concluir que o texto sofreu suas contaminações, mas que, certamente, não impedem uma compreensão da obra de Jesus, Seus profundos ensinamentos e do significado da Mensagem. E aí falo de uma compreensão que talvez nem dependa tanto da exegese ou da hermenêutica, o que torna a Palavra acessível a todo homem, não importando seu nível de instrução. Talvez pela história e pelo estudo de uma literatura judaica comparada possamos decifrar um pouco desse instigante quebra-cabeça - os Evangelhos - e assim conhecermos mais alguns detalhes sobre aspectos do judeu Yeshua ben Yosef que viveu nas três primeiras décadas do século 1º. [...] Finalizo este comentário dizendo que a contestação da autoria dos Evangelhos e de Atos é o que melhor explica as inegáveis contradições mesmo entre os sinóticos que parecem se basear no livro atribuído a Marcos e numa fonte comum a Mateus e Lucas que os estudiosos chamam de fonte ‘Q’. Hoje em dia, se alimentarmos a ideia católica de que foram os tais apóstolos e discípulos que teriam escrito os textos gregos dos quatro evangelhos, corre-se o risco de causar mais ainda conflitos entre os neófitos que seguem a fé e podem ficar perplexos com uma eventual descoberta de que a realidade é diferente daquela que se ensina na Igreja.”

Resposta:


Em conversa com o Dr. Rodrigo Silva, ele teceu o seguinte breve comentário:

Percebo que R. é bastante influenciado por Bart Erhman e pela nova escola do Jesus Seminar, especialmente representada por John Dominic Crossan. O autor trabalha com pressupostos que não foram provados. São uma verdadeira “petição de princípio”. Exemplo: que os evangelhos são anônimos ou que são produtos tardios posteriores ao ano 1970 (embora esse último argumento não apareça explicitamente no comentário). Ele também parece compartilhar algo da escola hermenêutica de Paul Ricoeur, a saber, o estruturalismo que advoga que o importante é a mensagem mais profunda do texto, que não é necessariamente a original (pois essa teria se perdido), mas aquela que resulta da subjetividade do autor moderno que lê e interpreta o texto ao seu próprio entendimento (um critério essencialmente pós-moderno). Pois bem, vamos a alguns pontos:

1. Evangelhos Anônimos? Esse é um erro de anacronismo cometido por muitos estudiosos modernos, especialmente aqueles moldados pela filosofia de Foucault. As ideias de propriedade intelectual de hoje não eram as mesmas daquele tempo. Fala-se muito que os evangelhos são produções da comunidade mateana (isso é, a comunidade fundada por Mateus que produziu um texto e o atribuiu artificialmente à pessoa dele). Outros dizem que foram os teólogos que o fizeram posteriormente. Bem, curiosamente o próprio Martin Hegel, que era um expoente da escola liberal de Tübingen, admitiu em seu comentário a Marcos que não existe a menor evidência histórica de que os evangelhos circularam anônimos originalmente sem nenhuma referência a quem os escreveu. Veja, se os autores fossem “anexados” posteriormente por razões políticas ou teológicas, os leitores não deveriam escolher nem Lucas nem Marcos, pois estes não figuravam entre os apóstolos, e Mateus, embora fosse apóstolo, era ex-coletor de impostos quase sem proeminência entre os doze. Tiago (irmão de João) e Pedro seriam personagens muito mais apropriados. Ademais, não é só a Bíblia que padece desse “aparente” estado de anonimato autoral, outros livros da antiguidade também estão sem qualquer referência ao autor ou editor final. Às vezes, aparece apenas o nome do copista/escriba ou do proprietário do manuscrito. Contudo, antigos índices como um catálogo de textos e autores encontrado na Biblioteca de Assurbanipal demonstram que o povo tinha conhecimento dos autores ainda que seus nomes não viessem explicitamente no texto. Aliás, essa certeza aumentou muito no período greco-romano, especialmente depois da construção da Biblioteca de Alexandria. O Talmude, por exemplo, afirma que a comunidade sabia quem eram os principais autores das Escrituras judaicas. O mesmo se dá com a literatura grega e, também, com a literatura romana. Na Antiguidade, portanto, na maioria das vezes, o autor não tinha seu nome dentro do livro, mas no sillybos ou sittybos – uma etiqueta em forma de couro ou papiro que ficava colada na haste do rolo ou aplicada em seu verso à vista do vendedor ou leitor. Temos exemplares de sillybos datados até do 3º século. Mas muitos, é claro, se perderam. Era nessas etiquetas que vinha o nome do autor. Logo, não devemos nos surpreender de o nome do evangelista não constar necessariamente no texto do livro, como muitos supõem que deveria ser.

2. As contradições que os evangelhos possuem são reais, porém periféricas. Na essência, os textos se igualam e se complementam. Mas veja, esse é mais um indício de que as alegadas alterações posteriores, se houve isso, não mudaram substancialmente as cópias, pois se o tivessem feito, as correções editoriais da Igreja Católica terminariam pondo fim a todas as discrepâncias textuais e corrigido tudo o que poderia gerar conflito com a doutrina oficial. Importantes doutrinas católicas como o purgatório, a assunção e intercessão de Maria, a confissão auricular, as indulgências, a guarda do domingo, etc. carecem de clara base bíblica. Ora, se o Novo Testamento houvesse sido excessivamente manipulado por escribas católicos, essas doutrinas tão importantes seriam obrigatoriamente incorporadas ao texto como sendo ensinamentos oriundos do próprio Cristo. Como não estão, sou obrigado a supor que por uma proteção divina o texto não foi dramaticamente alterado. O que não significa que ignoro as pequenas incongruências das cópias, mas afirmo: não são essenciais, não alteram substancialmente o conteúdo original. Isso sem contar os argumentos técnicos da crítica textual que, por questões de espaço, não vou citar aqui.

(Dr. Rodrigo P. Silva, professor de Teologia no Unasp)

terça-feira, junho 21, 2011

“Evangelho” de Tomé

Em uma das minhas leituras, “Onde Encontrar Sabedoria”, de Harold Bloom, num dos capítulos, ele fala de certo “evangelho de Tomé” (ou Tomás). Achei interessante, pois ele fala de máximas de Jesus, não se atendo à vida e à Paixão de Cristo. Qual a sua opinião sobre esse “evangelho”? – R.

O “evangelho” de Tomé é um texto gnóstico bastante antigo, do fim do primeiro século. A teóloga liberal Elaine Pagels, em seu livro Além de Toda Crença: O evangelho desconhecido de Tomé, diz que houve uma disputa entre os cristãos gnósticos (“evangelho” de Tomé) e os cristãos tradicionais (evangelho de João). No evangelho de Tomé, não existem histórias, geografia e personagens concretos; é tudo atemporal, místico. É um amontoado de frases ambíguas de Jesus aos discípulos. A última declaração de Jesus, por exemplo, é a de que toda mulher que se tornar como homem entrará no reino do Céu!

Outro livro que trata desse assunto é Os Evangelhos Perdidos, de Darrell Bock (Thomas Nelson Brasil), um respeitado teólogo conservador. O jornalista e ex-ateu Lee Strobel em seu livro Em Defesa de Cristo, traz uma entrevista sobre o tema, já que o Jesus Seminar insere o “evangelho” de Tomé como um dos evangelhos canônicos.

Em suma, o texto foi escrito em copta, o último estágio da língua egípcia. São 114 ditos atribuídos a Jesus e alguns deles parecem fazer um eco verdadeiro a algumas sentenças de Jesus contidas nos quatro evangelhos.

O que significa Shekinah?

Há pessoas que associam o termo Shekinah a deusas do antigo paganismo oriental. Qual a origem e o significado etimológico e teológico dessa palavra misteriosa? – F.

A palavra Shekinah está relacionada com o verbo hebraico shakan, que significa “habitar”. É o verbo utilizado em Êxodo 25:8, o texto clássico do santuário israelita. Curiosamente, a palavra Shekinah não é utilizada no Antigo Testamento. Ela aparece na literatura judaica tardia, aquela produzida no período intertestamentário, referindo-se à manifestação da glória de Deus no lugar santíssimo.

É impossível relacionar a deusa Inana/Ishtar/Ashtaroth com a palavra Shekinah, como alguns sugerem. Inana está relacionada com o sumeriano In-Nana, “Rainha dos Céus”; Ishtar está relacionada com uma palavra acadiana (Jeremy Black, Anthony Green, Tessa Rickards, Gods, Demons, and Symbols of Ancient Mesopotamia, p. 128). Shekinah é uma palavra vinda de outro ramo linguístico. Tentar colocar todos esses nomes/palavras juntos é como misturar água e óleo!

(Luiz Gustavo Assis é pastor adventista em Caxias do Sul, RS)

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