segunda-feira, agosto 29, 2011

Quem era Tammuz?

Quem era Tammuz por quem as mulheres judias choravam (Ez 8:14)? Por que essa atividade no templo era um das “grandes abominações” (Ez 8:6, 13-15)?

Tammuz foi uma divindade importada para Judá. As origens da adoração desse deus estão perdidas, embora o nome “Dumuzi” esteja relacionado com um governante de uma das cidades-estados da Suméria antes da metade do 3º milênio a.C. Durante o período neosumeriano (Ca. 2200-1900 a.C.), os sumérios reconheceram Dumuzi como um deus e normalmente o relacionavam com a deusa Inanna. Em cultos acadianos, Dumuzi era chamado Tammuz e Inanna era identificada com Ishtar. Esses deuses são conhecidos por ambos os nomes: Dumuzi/Tammuz e Inanna/Ishtar.

Algumas histórias sobre a deusa Inanna/Ishtar falam de sua ida ao submundo (inferno) para visitar sua irmã, a rainha daquele lugar. Tendo sido enganada por ela para se tornar um cadáver na terra dos mortos, Inanna/Ishtar precisava achar um substituto para tomar seu lugar ou para permanecer para sempre entre os mortos. Retornando para a terra, ela encontrou apenas divindades agradáveis, nenhuma das quais ela poderia enviar para sua irmã. No entanto, quando retornou para seu templo, ela foi cumprimentada pelo seu despreocupado marido, Dumuzi/Tammuz. Ela o arrastou para o submundo com a ajuda de demônios para tomar o lugar dela entre os mortos.

O poema chamado “Épico de Gilgamesh” faz referência a esse mito e ao choro anual que Ishtar estabeleceu para comemorar a morte de Tammuz. É esse choro anual por Tammuz que chamou a atenção de Ezequiel, no templo de Jerusalém. As mulheres judias tinham tomado parte na adoração a Tammuz e possivelmente no culto de Ishtar e Tammuz que envolvia rituais de fertilidade. Isso também teria sido uma abominação a Deus, que através de Jeremias tinha declarado que a fertilidade vem somente de Deus (Jr 5:24). Mulheres chorando em um ritual por outra divindade no templo dedicado a Deus claramente era uma grande abominação.

(New King James Version: Chronological Study Bible, p. 784; traduzido e adaptado por Luiz Gustavo Assis)

terça-feira, agosto 09, 2011

O pairar do Espírito de Deus

O que o verso de Gênesis 1:2 tem a dizer sobre a doutrina da Trindade?

Como seres humanos, somos limitados na compreensão de alguns assuntos bíblicos. Um desses assuntos é, sem dúvida, a doutrina da Trindade. Sempre existiram pessoas que não concordaram com esse ensinamento e, nos últimos anos, essa crença tem sido desafiada por diversos cristãos, inclusive adventistas. Para esses indivíduos, o Espírito Santo é mera energia e não possui nada que possa caracterizá-Lo como divino. Vários periódicos adventistas (Revista Adventista, Ministério, etc.) publicaram, recentemente, diversos artigos sobre o Espírito Santo no Antigo e no Novo Testamento.[1] O presente artigo explorará um texto não muito utilizado na abordagem desse tema. Trata-se de Gênesis 1:2. Nosso foco, nessa passagem, estará na última parte do verso: “...e o Espírito de Deus pairava sobre as águas.”

Nosso estudo está dividido em duas partes: (1) Seria o Espírito de Deus o próprio Deus? (2) Seria o Espírito de Deus uma pessoa? Logo após essas duas sessões, faremos algumas considerações finais.

Seria o Espírito de Deus o próprio Deus?

O livro de Gênesis foi originalmente escrito em hebraico, e traduzir uma língua assim nem sempre é tão simples. A expressão de Gênesis 1:2, ruach ‘Elohim, que na maioria das Bíblias aparece como “Espírito de Deus”, foi traduzida em outras versões como “um forte vento” ou “um vento da parte de Deus espalhava-se por sobre as águas”. Essas duas versões, como se pode notar, tendem a considerar o “Espírito” como uma força inanimada ou um sopro de Deus e não uma pessoa da Divindade, conforme propõe a doutrina da Trindade. Estaria isso correto?

De fato, a palavra ruach, se estiver sozinha, pode significar tanto vento quanto espírito. Nesse caso, é o contexto que definirá a melhor tradução. Mas lembre-se de que aqui ela não está sozinha, e sim acompanhada de ‘Elohim que quer dizer Deus. Ora, das 24 ocorrências de ruach ‘Elohim na Bíblia Sagrada, nenhuma é traduzida por “vento forte” ou “vento da parte de Deus”. Por que essa seria? Como se vê, o texto de Gênesis está falando de algo mais profundo do que simplesmente um vento descontrolado. Trata-se do Espírito Santo de Deus![2]

Mas qual é o significado da expressão “Espírito de Deus”? A leitura isolada do texto de Gênesis não nos esclarece muito. No entanto, quando comparada com outras partes da Bíblia que falam a respeito da Criação, nossa compreensão é ampliada. Para encontrarmos a resposta a essa pergunta, veremos outras duas passagens: Salmo 104 e Jó 33.

Todo o salmo 104 é um hino de louvor a Deus baseado no relato da Criação de Gênesis 1. No verso 30, lemos: “Envias o Teu Espírito, eles são criados.” Ao que parece, a criação só foi possível a partir da atuação do Espírito. Esse texto não é o único que apresenta o poder criador do Espírito Santo. O mesmo ocorre com Jó 33. Vejamos:

Eliú, um dos amigos de Jó, disse: “O Espírito de Deus me fez; e o Sopro do Todo-Poderoso me dá vida” (Jó 33:4). O uso do verbo “fazer” (‘asah) nesse texto nos leva diretamente para o momento em que Deus “formou” (‘asah) o homem do pó da terra (Gn 2:7). Para aqueles que sugerem a inexistência do Espírito Santo na Criação, esses textos revelam claramente que Ele teve participação ativa nesse evento.

O ensinamento de Gênesis 1:2 não é outro senão o Fôlego vindo de Deus como o começo da vida. Ele é um instrumento da criação e também é divino, já que é capaz de criar.

Seria o Espírito de Deus uma pessoa?

A evidência bíblica para a personalidade do Espírito de Deus está no uso do verbo hebraico rahap (pairar, plainar, voar). Esse é um verbo raro nas páginas do Antigo Testamento. Além do texto de Gênesis, rahap também foi utilizado em Deuteronômio 32:11, onde o autor bíblico ilustra o cuidado de Deus com Seu povo no deserto como o de uma águia que paira (rahap) sobre seu ninho, dando assim a ideia de proteção.

Para nos aprofundarmos no conhecimento desse verbo, faremos o uso de um antigo idioma que apresenta muitas semelhanças com o idioma do Antigo Testamento. Trata-se do ugarítico, conhecido a partir de 1929, com o início das escavações na antiga cidade de Ugarite, atual norte da Síria.

Até o momento da descoberta da língua ugarítica, diversas palavras e expressões hebraicas eram difíceis de ser compreendidas. A partir das traduções dos textos ugaríticos, muitas das dificuldades bíblicas foram solucionadas.

A relevância disso para nosso estudo é que em todos os textos ugaríticos disponíveis até o momento rahap sempre está relacionado com pássaros, mais especificamente águias. A importância disso é que esse verbo descreve a atitude de um ser vivo e não uma força ou energia.[3] Esses documentos arqueológicos com mais de três mil anos sugerem uma profunda descoberta bíblica: a ação do Espírito de Deus em Gênesis 1:2 é uma atividade executada por um Ser vivo que “paira” como um pássaro sobre a Terra criada.[4]

Indo além e observando rahap em outras línguas antigas, podemos apreciar melhor a beleza dessa passagem bíblica. Em siríaco, por exemplo, rahep significa “geração”. Já no árabe antigo a ideia é de estar suspenso e abrir de asas, transmitindo assim um sentido de proteção e cuidado de um pássaro com seu ninho.[5]

Quem sabe seja por esse motivo que o Espírito Santo escolheu uma ave (pomba) para Se manifestar por ocasião do batismo de Jesus Cristo (cf. Lc 3:22).

Podemos resumir todas essas informações provindas desses idiomas em uma única frase: um Ser vivo gerando vida e protegendo Sua criação! Este é o sentido do verbo “pairar” em Gênesis 1:2: uma atividade criadora e, ao mesmo tempo, protetora.

Considerações finais

Para aqueles que questionam a aparente ausência do Espírito Santo na criação do mundo, Gênesis 1:2 apresenta uma poderosa resposta. Podemos encontrar nesse texto, de forma embrionária, elementos sobre a divindade e personalidade desse Ser que foram ampliados no Novo Testamento.

Tão importante quanto as informações acima é exatamente o que elas significam para o cristão no século 21. Assim como a Terra “sem forma e vazia” foi transformada graças à atuação do Espírito de Deus, o mesmo pode ocorrer com pessoas marcadas por um vazio existencial. Para modificar esse quadro, por que não experimentar hoje o pairar do Espírito de Deus em nossa vida?

(Luiz Gustavo de Souza Assis é pastor em Caxias do Sul, RS)

Referências:

1. José Carlos Ramos, “Uma Pessoa maravilhosa chamada Espírito Santo”, Revista Adventista, agosto de 2001, p. 8-10; Ozeas Caldas Moura, “A Divindade e Personalidade do Espírito Santo”, Revista Adventista, novembro de 2002, p. 16, 17; Gerhard Pfandl, “A Trindade na Bíblia”, Ministério, março-abril de 2005, p. 15-22.

2. Se Moisés estivesse falando a respeito de um vento “tempestuoso”, ele provavelmente usaria as expressões ruach se’arah (cf. Sl 107:25; 148:8) ou ruach qadim (cf. Jr 18:7; Sl 48:7). Jonas 1:4 também é um texto esclarecedor. Ao falar sobre o forte vento, o autor bíblico utilizou a expressão ruach gedolah e não ruach ‘Elohim, como em Gênesis 1:2. Sabatino Moscati, “The Wind in Biblical and Phoenician Cosmogony”, JBL, nº 66 (1947), p. 307.

3. H. Neil Richardson, “An Ugaritic Letter of a King to His Mother”, JBL, nº 66 (1947), p. 322.

4. Roberto Ouro, “The Earth of Genesis 1:2: Abiotic or Chaotic?”, Part III, AUSS, nº 38 (1998), p.64.

5. Moscati, p. 307.

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