terça-feira, setembro 28, 2010

Por que os apóstolos batizavam em nome de Jesus?

Se Jesus disse que o batismo deveria ser realizado “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mt 28:19), por que os apóstolos batizavam em nome de Jesus (At 2:38; 8:16; 10:48; 19:5)?

Antes de estudar o que o Novo Testamento ensina sobre o batismo, precisamos entender o que significava um “nome” para os primeiros cristãos. Para nós, essa é apenas uma palavra que permite identificar alguém ou alguma coisa. Mas, na Bíblia, “nome” tem um significado muito mais profundo e belo. Ele representa todas as qualidades de alguém, seu verdadeiro caráter, tudo aquilo que a pessoa realmente é (ver Gn 11:3; 27:36; Êx 5:23; Nm 1:2; 26:53; 1Sm 17:45; 18:30; 2Sm 8:13; 1Rs 21:8; Is 56:5; Mc 6:14; Lc 6:22; At 1:15; Fp 2:9; Ap 3:1, 4).[1]

O que significa “em nome de Jesus”? – Muitas vezes o Novo Testamento fala sobre o “nome de Jesus”. À luz do que vimos acima, o “nome de Jesus” representa Suas qualidades e caráter. Por exemplo, crer no nome de Jesus é confiar no próprio Jesus (At 4:12; 1 Co 6:11). Ser curado por meio do nome de Jesus é ser curado pelo poder que existe nEle (At 4:7; 16:18). Portanto, ser batizado em nome de Jesus significa entregar-se completamente a Ele e ter um relacionamento com Ele (At 8:16; 19:15; 1 Co 1:13).[2]

A Bíblia de Jerusalém, erroneamente citada por alguns contra a autenticidade de Mateus 28:19, esclarece o que significa ser batizado “em nome de Jesus”: “O batismo é dado ‘em nome de Jesus Cristo’ (cf. [At] 1,5+) e é recebido ‘invocando-se o nome do Senhor Jesus’ (cf. [At] 2,21+; 3,16+; 8,16; 10:48; 19,5; 22,16; 1Cor 1,13.15; 6,11; 10,2; Gl 3,27; Rm 6,3, cf. Tg 2,7). Essa maneira de falar talvez não vise tanto à fórmula ritual do batismo (cf. Mt 28,19), quanto ao significado do próprio rito: profissão de fé em Cristo, tomada de posse, por Cristo, daqueles que doravante Lhe são consagrados.”[3] Ou seja, “nome de Jesus” não era necessariamente uma expressão exata pronunciada por alguém. Essas palavras significam que a condição para ser batizado era aceitar a Jesus como Salvador.

Quantas “fórmulas batismais” existiam? – A Bíblia apresenta três expressões relacionadas ao batismo: (1) “em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28:19); (2) “em nome de Jesus Cristo” (At 2:38; 10:48); e (3) “em nome do Senhor Jesus” (At 8:16; 19:5). Como o livro de Atos apresenta uma fórmula batismal fixa e precisa, que sempre deveria ser utilizada, se esse livro menciona duas expressões diferentes? A explicação mais natural é que, “dadas as variações na linguagem do Novo Testamento, claramente não havia uma fórmula batismal definida” nos primórdios do cristianismo.[4] Negar isso é tentar negar o óbvio.

Os apóstolos eram infalíveis?[5] – Algumas pessoas parecem crer que o livro de Atos é um infalível “manual da Igreja”, ou seja, tudo que os primeiros cristãos fizeram era correto e deve ser imitado por nós. Mas é necessário lembrar que a revelação da verdade é progressiva (Mc 4:33; Jo 16:12, 13; 1Co 3:2) e que a própria compreensão da revelação é progressiva (Mc 9:32; Lc 2:50; 9:45; 18:34; Jo 12:16). Em outras palavras, Deus não revelou toda a verdade em um momento. Mas, mesmo as verdades já reveladas e explicadas demoravam certo tempo para ser entendidas e obedecidas pelo povo de Deus.

Vários exemplos do Novo Testamento ilustram essa verdade. Antes de subir ao Céu, Jesus disse que o evangelho deveria ser pregado a “todas as nações” (Mt 28:19). Apesar da clareza dessa ordem, o livro de Atos mostra que os cristãos demoraram muito tempo para compreendê-la. As palavras do próprio Jesus também poderiam sugerir que, logo após a descida do Espírito Santo, o “reino” seria restaurado “a Israel” e viria o fim (At 1:6-8, 11).

No dia de Pentecostes, da perspectiva daqueles crentes, o evangelho foi pregado às pessoas “de todas as nações debaixo do céu” (At 2:5). Como, para eles, o fim estava perto, venderam todos os seus bens – as posses materiais eram totalmente irrelevantes e os cristãos possuíam um fundo comum para suas posses (At 2:44; 4:32). Essa atitude precipitada levou a igreja na Judeia a severas dificuldades financeiras (Rm 15:25-28; 1Co 16:1-4; 2Co 8-9).

Outro exemplo é a discussão sobre quais grupos de pessoas constituíam a igreja. Vários anos depois da morte de Cristo, os cristãos ainda criam que apenas os judeus eram o povo de Deus. Os próprios líderes em Jerusalém pensavam que apenas os judeus poderiam ser salvos (At 11-12), e muito tempo passou antes que oportunidade de salvação fosse entendida aos não judeus (At 14:27). Mesmo depois os cristãos pensavam que uma pessoa deveria praticar todos os rituais judaicos para seguir a Cristo (At 15; Gl 2).

O próprio Paulo, que falou sobre Israel e a Igreja (Rm 9-11; Gl 2, 3), se submeteu às práticas do voto de nazireado (At 18:18), circuncidou a Tito (Gl 2:3) e praticou sacrifícios e rituais de purificação (At 21:17-26). É verdade que Paulo agia “como judeu, a fim de ganhar os judeus” (1Co 9:20); no entanto, Paulo praticou esses rituais não por simpatia aos judeus não cristãos, mas devido aos líderes cristãos em Jerusalém. No fim da vida de Paulo, nem todos os cristãos judeus compreendiam ainda que a morte de Cristo havia dado término à lei cerimonial.

Alguém poderia indagar: Então os primeiros cristãos eram ímpios e rebeldes contra a vontade de Deus? Não, pois eles viviam à altura da compreensão que possuíam, e isso era o mais importante para Deus. Os primeiros cristãos entendiam a mensagem básica do cristianismo: que Cristo havia morrido, ressuscitado e triunfado sobre o mal; e essa era a mensagem que anunciavam desde o início (At 2:32-36; 13:33-34).

Em que devemos basear doutrinas e práticas? – Um estudo mais aprofundado da Bíblia mostra que existe clara distinção entre textos descritivos e textos prescritivos. Textos descritivos mencionam as práticas das pessoas. Mesmo o povo de Deus pode cometer atitudes que não estão de acordo com o ideal, mas que são toleradas por Deus. Esse conceito é verdadeiro sobre o povo de Deus no Antigo Testamento (por exemplo: poligamia, guerra, divórcio, etc.) e também no Novo (ver acima).

O povo de Deus não está imune aos erros, como é visto na experiência individual de todos nós. As doutrinas e estilo de vida dos cristãos devem estar baseados nos textos prescritivos da Bíblia, ou seja, naqueles que contêm um mandamento ou prescrição, um claro “assim diz o Senhor”.

Por que, então, os cristãos em geral não utilizam as palavras “em nome de Jesus”, mas “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”? Como em outros casos relacionados à prática cristã, essa não é uma escolha entre certo e errado, mas entre bom e melhor. A prática dos apóstolos era boa, mas a ordem de Jesus é melhor.

A doutrina cristã deve ser baseada nos textos prescritivos da Bíblia. Todo genuíno cristão concordará que a expressa ordem de Cristo é muito melhor que as práticas de um ser humano imperfeito (ainda que esse ser humano seja apóstolo ou profeta). Como hoje compreendemos as instruções de Jesus em Mateus 28:18-20, esse texto deveria ser suficiente para encerrar toda discussão sobre o assunto.

Conclusão – Um estudo do Novo Testamento mostra que (1) ser batizado em “nome de Jesus” significava aceitá-Lo como Salvador e Senhor, e não necessariamente usar essas palavras durante o batismo; (2) Mateus 28:19 e o livro de Atos mencionam três expressões diferentes relacionadas ao batismo, o que mostra que os primeiros cristãos provavelmente não possuíam uma fórmula definida e precisa; (3) os apóstolos não eram infalíveis, porque cometeram vários equívocos doutrinários e de comportamento; e (4) devemos basear nossa doutrina em instruções explícitas da Bíblia, e não no que seus personagens fizeram ou deixaram de fazer.[6]

(Matheus Cardoso é editor associado da revista Conexão JA e editor assistente de livros na Casa Publicadora Brasileira)

Referências:

[1] G. F. Hawthorne, “Name”, em International Standard Bible Encyclopedia, ed. Geoffrey W. Bromiley (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1979), v. 3, p. 480-482.
[2] H. Bietenhard, “Nome”, em Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, ed. Lothar Coenen e Colin Brown (São Paulo: Vida Nova, 2000), v. 2, p. 1.400.
[3] Bíblia de Jerusalém (São Paulo: Paulus, 2002), p. 1.904 (nota sobre At 2:38) (ênfase acrescida).
[4] John Nolland, The Gospel of Matthew: A Commentary on the Greek Text, The New International Greek Testament Commentary, ed. I. Howard Marshall e Donald A. Hagner (Grand Rapids. MI: Eerdmans, 2005), p. 1.268.
[5] O restante deste artigo é baseado em uma aula de Wilson Paroschi, Ph.D., professor de Novo Testamento no Unasp, campus Engenheiro Coelho.
[6] Para estudo adicional, veja Ángel Manuel Rodríguez, “The right words”; e Alberto R. Timm, “Em Nome da Trindade”.

quarta-feira, setembro 22, 2010

Podemos crer na criação segundo a Bíblia?

Posso acreditar em Jesus e na Bíblia, mas sem acreditar em mitos ultrapassados como Adão e Eva, e Noé e o Dilúvio?

Hoje, existem três interpretações sobre a história de Gênesis. A primeira afirma que o autor de Gênesis pretendia que os leitores compreendessem as narrativas como literais e historicamente verdadeiras. Eles afirmam, no entanto, que a maior parte de Gênesis não aconteceu de fato. A segunda interpretação nega que o autor de Gênesis pretendia que as narrativas fossem compreendidas como literais ou históricas. Em vez disso, elas foram escritas para serem interpretadas de maneira simbólica, para transmitir apenas verdades morais e espirituais. A terceira interpretação afirma que o autor de Gênesis pretendia descrever eventos literais e históricos relacionados à Criação, ao Dilúvio, e assim por diante. Além disso, defendem a exatidão e veracidade da história. Portanto, pensam que a Criação ocorreu em seis dias de 24 horas e que houve um dilúvio global.

O Antigo Testamento e a história de Gênesis

Por várias razões, muitos estudiosos creem que o autor de Gênesis tinha a intenção de que seus relatos da Criação e do Dilúvio fossem entendidos de forma literal e histórica.

A sequência de tempo e espaço apresentada em Gênesis. Existe claramente uma unidade na grande narrativa de Gênesis que percorre todo o caminho desde o relato da Criação até o Êxodo. Essa história descreve os eventos passados dentro de uma estrutura narrativa. De fato, Gênesis 1-11 claramente serve como introdução para o restante de Gênesis e dos cinco primeiros livros da Bíblia.

A expressão “são estas as gerações de”. Vários estudiosos observam também a presença da palavra hebraica toledoth (“estas são as gerações de”) em Gênesis 1-11. Essa palavra, que tem o sentido de “registro histórico”, aparece antes de cada seção do livro de Gênesis, para iniciar o relato sobre a criação do mundo (Gn 2:4), os descendentes de Adão (5:1), Noé (6:9), os três filhos de Noé (10:1), Sem (11:10), Ismael (25:12), Isaque (25:19), Esaú (36:1) e Jacó (37:2).

Estilo literário: registro histórico. Não existe nenhuma mudança de estilo literário entre Gênesis e o restante do Pentateuco, nem entre o Pentateuco e os assim chamados “livros históricos” (Reis, Crônicas, etc.). “De fato, se estamos falando sobre a intenção original do autor bíblico, o estilo de Gênesis não dá margem para argumentar contra a conclusão óbvia de que o autor pretendia que o livro fosse considerado uma obra histórica que narra o que aconteceu no passado distante” (Raymond D. Dillard e Tremper Logman, An Introduction to the Old Testament [Grand Rapids, MI: Zondervan, 1994], p. 49).

Antigos relatos históricos fora da Bíblia. Os críticos da Bíblia frequentemente se esquecem de que as histórias antigas muitas vezes incluem histórias sobre deuses. Entretanto, recentemente tem sido observado que elementos nas histórias mesopotâmicas antigas, tais como a Lista de Reis Sumérios e a Epopeia de Gilgamesh mencionam os nomes de pessoas e locais confirmados pela arqueologia.

É interessante que algumas dessas pessoas que realmente existiram seriam consideradas lendárias segundo os padrões atuais – realizaram façanhas inacreditáveis e tiveram duração de vida incrivelmente longa. Por exemplo: a Lista de Reis Sumérios afirma que Enmebaragesi, rei de Kish, governou durante 900 anos! Mas os nomes de Gilgamesh e e Enmebaragesi, um de seus contemporâneos, foram encontrados em uma inscrição da época em que as lendas posteriores afirmam que eles viveram.

Vários elementos na história da torre de Babel foram registrados em documentos fora da Bíblia, sugerindo que a história não foi simplesmente inventada pelo escritor bíblico. Um texto sumério da terceira dinastia de Ur (Mesopotâmia) conta que, em uma época, os sumérios falavam apenas uma língua, mas o deus Enki confundiu a fala deles. Os sumérios possuíam torres especiais (os zigurates), que se acreditava serem uma ligação entre o Céu e a Terra.

O Novo Testamento e o livro de Gênesis

Os autores do Novo Testamento escreveram no contexto de uma sociedade que não aceitava a mensagem do evangelho. Pedro escreveu: “De fato, não seguimos fábulas engenhosamente inventadas, quando lhes falamos a respeito do poder e da vinda de nosso Senhor Jesus Cristo; ao contrário, nós fomos testemunhas oculares da Sua majestade” (2Pe 1:16).

No início de sua primeira epístola aos coríntios, Paulo admite que “a mensagem da cruz é loucura para os que estão perecendo [aqueles que se recusam a crer], mas para nós, que estamos sendo salvos, é o poder de Deus [...] é escândalo para os judeus e loucura para os gentios” (1Co 1:18, 23).

É tentador pensar que as pessoas daquela época eram mais ingênuas, mas a verdade é que muitas, se não a maioria, eram tão desconfiadas sobre a ressurreição de um morto quanto as pessoas atuais. O conflito entre os saduceus e os fariseus (At 23:6-10) mostra a incerteza que havia entre os judeus cultos a respeito da possibilidade da ressurreição. O discurso de Paulo para a elite intelectual de Atenas no Areópago (At 17:32, 33) foi bem recebido até o momento em que ele mencionou a ressurreição, a respeito de que ele foi ridicularizado por alguns e educadamente despedido por outros.

Os escritores do Novo Testamento entendiam Gênesis capítulos 1 a 11 como um registro histórico. Em Mateus 19:4 e 5, Jesus cita Gênesis 1:27 e 2:24 e introduz esses textos perguntando: “Vocês não leram [...]?” Isso mostra que Ele considerou essas passagens como confiáveis, históricas e dignas de autoridade. Gênesis 1:27 fala sobre a criação de Adão e Eva como um evento histórico. Gênesis 2:24 declara que os dois “se tornarão uma só carne”; e Jesus utiliza esse texto para justificar o ensino de que o casamento é permanente e sagrado. Em Lucas 17:26-29, Jesus advertiu de que os últimos dias seriam “como foi nos dias de Noé”. Obviamente, o aviso sobre o juízo final é seriamente invalidado se o juízo no tempo de Noé não for considerado como real e histórico.

O autor da epístola aos Hebreus menciona sem interrupções eventos dos primeiros capítulos de Gênesis até eventos muito posteriores e geralmente considerados eventos históricos. Esse fato mostra que não havia qualquer distinção entre a veracidade histórica de tais eventos na mente dos primeiros cristãos (ver Hb 11). A referência de Pedro ao tempo do Dilúvio torna evidente que ele foi um acontecimento histórico (2Pe 3:3-7).

Essas e outras passagens do Novo Testamento mostram que a veracidade histórica de Gênesis capítulos 1 a 11 era aceita pela igreja antiga. Portanto, os cristãos que creem no Novo Testamento devem crer na história de Gênesis.

(Randall W. Younker, Th.D., Ph.D., é professor de Antigo Testamento e Arqueologia Bíblica e diretor do Instituto de Arqueologia da Andrews University, Berrien Springs, Michigan, Estados Unidos. Publicado originalmente como “A Literal Reading of Genesis”, Perspective Digest, ano 15, nº 3 (2010), p. 33-37. Traduzido e adaptado, com permissão, por Matheus Cardoso)

Todas as citações bíblicas foram extraídas da Nova Versão Internacional.

quinta-feira, setembro 16, 2010

Como entender a Bíblia

Não sou teólogo nem sei falar hebraico ou grego. Como posso entender a Bíblia corretamente?

Sabemos que ler a Bíblia é importante para nossa comunhão com Deus. Muitas pessoas acreditam, entretanto, que apenas um pastor ou doutor em Teologia pode interpretar a Bíblia de maneira correta. Mas é interessante que os escritores da Bíblia pensavam o contrário: eles esperavam que todos a lessem e compreendessem, mesmo aqueles que não eram cultos (Dt 30:11-4; Jo 20:30, 31; At 7:11; Ap 1:3). Sugerimos alguns passos simples e úteis para a compreensão da Bíblia, que podem ser utilizados por qualquer pessoa:

1. Estude a Bíblia com oração e humildade – Nosso coração é, por natureza, enganoso (Jr 17:9). Por natureza não temos disposição de ser ensinados. É natural para o ser humano ler a Bíblia de tal maneira a evitar algo que não deseja aprender. Não importa quanto você saiba sobre o idioma grego ou quantos doutorados você possui, se não tiver um coração disposto a aprender, seu estudo não terá qualquer valor.

Conhecer a Deus, de acordo com a Bíblia, é mais que uma atividade intelectual ou estudo acadêmico (Jo 7:17; 1Co 2:14; 2Ts 2:10; Tg 1:5). O conhecimento de Deus vem de uma disposição de aprender a verdade que vem de Deus não importando o que custar (2Ts 2:10). Conhecer a Deus pode custar sua vida, família, amigos e reputação. Mas, se você estiver disposto a encontrar a verdade não importando quais desafios tiver que enfrentar, você a alcançará.

O estudo da Bíblia deve começar com aquilo que pode ser chamado de “oração autêntica”. Essa oração pode ser feita assim: “Senhor, eu desejo a verdade não importa o que ela me custar, pessoalmente.” Essa é uma oração difícil de ser feita, mas, se você orar dessa maneira, conhecerá a verdade de Deus. Jesus prometeu que o Espírito Santo nos guiará ao buscarmos conhecer a vontade de Deus (Jo 16:13, 14). Jesus está ansioso para cumprir Sua promessa.

2. Compare várias traduções da Bíblia – Se você não tem acesso à Bíblia em hebraico e grego, pode consultar várias traduções bíblicas ao estudar algum texto. Boas traduções em português são a Almeida Revista e Atualizada, a Bíblia de Jerusalém e a Nova Versão Internacional. As duas primeiras utilizam linguagem mais culta, e a última, linguagem mais acessível.

Cada tradução tem suas limitações e, em alguma medida, reflete os conceitos e preconceitos dos tradutores. Essas limitações podem ser minimizadas ao se comparar várias traduções. Cada tradução apresenta um aspecto do significado do texto. Portanto, quando comparamos várias traduções, temos uma compreensão melhor.

Suponhamos que você está comparando, por exemplo, cinco traduções bíblicas. Se quatro ou cinco traduzem um texto bíblico de forma semelhante, é mais provável que o texto original seja claro e, portanto, essa é a forma correta de ser traduzido. Por outro lado, se cada tradução apresenta um sentido diferente, provavelmente o texto original é difícil ou ambíguo.

Quando várias traduções são semelhantes e, portanto, o texto é claro, podemos nos basear com segurança na tradução daquele texto. Quando as traduções indicam que o texto que estamos estudando é ambíguo e difícil de ser traduzido, não é seguro basearmos alguma doutrina ou prática naquele texto específico.

3. Dedique a maior parte de seu tempo aos textos claros da Bíblia – Se você realmente deseja que a Bíblia fale por si mesma, passe a maior parte do estudo nos textos bíblicos mais claros. Existem muitas partes da Bíblia sobre as quais há pouco acordo entre os cristãos e mesmo para especialistas em hebraico e grego. Portanto, um passo extremamente importante no estudo da Bíblia é dedicar a maior parte de seu tempo nas seções que são razoavelmente claras. Os textos claros da Bíblia o ajudarão a ter uma boa compreensão sobre os assuntos centrais da mensagem bíblica, impedindo-o de utilizar de maneira errada os textos que são mais ambíguos.

Por outro lado, se você passar a maior parte de seu estudo em textos como as trombetas do Apocalipse ou Daniel 11, você corre o risco de se tornar espiritualmente desequilibrado. Pessoas que interpretam a Bíblia de maneira errada geralmente se concentram em textos difíceis, desenvolvem soluções criativas para as dificuldades que encontram e se baseiam em textos obscuros para criar uma teologia inteira. Esses leitores acabam distorcendo as passagens claras da Bíblia porque elas vão contra as falsas doutrinas criadas por eles.

4. Procure ler capítulos inteiros em vez de versículos isolados – Muitas pessoas costumam estudar a Bíblia de maneira fragmentada. Leem um versículo e então o comparam com dezenas de versículos que acham que tratam do mesmo assunto. Essas pessoas já criaram uma teoria e simplesmente procuram textos bíblicos que apoiam a ideia. Qual o problema com isso? A pessoa não permite que a Bíblia fale por si mesma, mas impõe suas ideias sobre os textos bíblicos. Muitos acham que existe virtude em citar grande número de versículos bíblicos, mas acabam cometendo o erro de distorcer a Bíblia.

Muitas pessoas, em vez de ler o texto bíblico em si mesmo, costumam estudar uma concordância bíblica, que é um livro que mostra todas as vezes em que determinada palavra aparece na Bíblia. Sem os passos corretos para entender a Bíblia, ler uma concordância tende a levar a pessoa a ler os versículos isolados do contexto. É como pegar uma tesoura e recortar 50 textos da Bíblia, jogar em uma bacia, fazer uma “salada de frutas”, oferecer a alguém e dizer: “Esta é a mensagem do Senhor.”

Por outro lado, quando você lê um livro bíblico do começo ao fim, o autor bíblico está no controle da sequência e desenrolar do texto. Esse é o tão importante contexto. O autor conduz você de uma ideia a outra, e o estudo não é controlado pelos interesses ou ideias que você possui. Ler os textos bíblicos de maneira completa permite que o leitor entenda as intenções dos escritores bíblicos e ajuda a ver o “quadro completo”, que é maior garantia contra interpretações bizarras de partes isoladas.

Ler textos completos estimula uma disposição de aprender e ajuda a ver o texto como ele deve ser entendido. Não somos nós que devemos ensinar algo à Bíblia; é ela que deve nos ensinar. É importante comparar textos bíblicos que tratam do mesmo assunto, mas antes disso precisamos ler e reler um texto bíblico completo. Muitas vezes, o leitor encontra um versículo difícil e não entende o que significa.

Na maioria das situações, tudo que precisamos fazer para entender um texto difícil da Bíblia é ler seu contexto – os versículos que vêm antes e os que vêm depois. Quando encontrar um versículo difícil, leia todo o capítulo em que ele está. Depois, procure se familiarizar com a mensagem do livro inteiro. Mas nunca leia um versículo sem considerar o contexto.

Quando buscarmos a Deus de todo o coração, poderemos dizer: “Lâmpada para os meus pés é a Tua Palavra e, luz para os meus caminhos” (Sl 119:105).

(Matheus Cardoso é editor associado da revista Conexão JA e editor assistente de livros na Casa Publicadora Brasileira)

Fonte: Jon Paulien, The Deep Things of God: An Insider's Guide to the Book of Revelation (Hagerstown, MD: Review and Herald, 2004), p. 79-92.

terça-feira, setembro 14, 2010

Mateus 28:19 – falso ou autêntico?

É verdade que as palavras “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mt 28:19) não foram escritas por Mateus, mas foram acrescentadas pela Igreja Católica?

Mateus 28:19 é um dos textos bíblicos mais frequentemente utilizados para defender a doutrina da Trindade. Mas alguns grupos cristãos que não creem nessa doutrina afirmam que as palavras “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” não estavam no texto original. Examinaremos os principais argumentos utilizados em defesa dessa teoria.[1]

1. Manuscritos do Novo Testamento – Aqueles que dizem que Mateus 28:19 foi modificado argumentam que, de acordo com o texto original, o batismo deveria ser realizado “em Meu [de Jesus] nome”. Ao examinarmos essa teoria, precisamos nos lembrar de que o Novo Testamento foi escrito originalmente no idioma grego, mas nenhum manuscrito redigido pelos próprios autores bíblicos chegou até nossa época. Porém, são conhecidos mais de cinco mil manuscritos antigos que contêm o Novo Testamento em seu idioma original. Assim, podemos ter certeza de que, ao longo de dois mil anos, Deus preservou Sua Palavra.[2]

De acordo com os estudiosos, a expressão “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” aparece em todos os manuscritos antigos do evangelho de Mateus. Por outro lado, não existe nenhum manuscrito em que apareçam as palavras “em Meu [de Jesus] nome” ou qualquer outra expressão.[3]

Esse fato é confirmado pelas mais importantes obras sobre o assunto: a edição do Novo Testamento grego e a obra oficial que possui comentários sobre esses manuscritos.[4] Outra importante obra, International Standard Bible Encyclopedia, declara que “as credenciais textuais [de Mt 28:19] são suficientemente sólidas”,[5] ou seja, não há dúvidas sobre o texto original de Mateus 28:19.


As palavras “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” aparecem também em todas as traduções antigas do evangelho de Mateus ou do Novo Testamento completo, tais como a Peshitta Siríaca, a Vulgata latina, a Copta e as versões eslovacas. É interessante observar que os cristãos sírios e coptas (que possuíam sua própria tradução do Novo Testamento) não estavam ligados à Igreja Católica Romana, mas aceitavam essa passagem bíblica como autêntica. Após analisar esses fatos, um estudioso afirmou: “É incrível que uma interpolação desse caráter tenha sido feita no texto de Mateus sem deixar qualquer traço de sua inautenticidade em um simples manuscrito ou versão [tradução]. A evidência de sua genuinidade é esmagadora.”[6]

À vezes é dito que o evangelho de Mateus foi escrito originalmente em hebraico ou aramaico. As pessoas que afirmam que Mateus 28:19 foi modificado alegam que, no evangelho escrito nesses idiomas, Jesus ordenava que o batismo deveria ser efetuado “em Meu nome”. Mas essa teoria deve ser rejeitada por várias razões: (1) até hoje não foi encontrado nenhum fragmento hebraico ou aramaico desse evangelho; (2) “o grego de Mateus não apresenta qualquer indício de ter sido traduzido do aramaico”; e (3) existem muitas evidências de que Mateus utilizou o evangelho de Marcos, escrito em grego, para escrever seu próprio evangelho.[7]

Alguns mencionam uma versão de Mateus em hebraico traduzida por George Howard, que contém as palavras “em Meu [de Jesus] nome” em Mateus 28:19. Argumenta-se que esse texto apresenta o texto exato do evangelho em seu idioma original. No entanto, o texto traduzido por Howard é do século 14 e, portanto, muito tardio para ser utilizado como evidência das palavras originais do evangelho. Além disso, essa versão pertencia a um judeu que a utilizou em livros que atacavam a fé cristã. Portanto, esse suposto evangelho em hebraico é muito tardio, de segunda mão e pertencia a um crítico do cristianismo.[8]

Apesar disso, outros dois textos em hebraico de Mateus (Du Tillet e Münster), que são aproximadamente da mesma época que o de Howard, contêm a expressão “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”. Mesmo que admitíssemos que esse evangelho tivesse sido escrito originalmente em hebraico ou aramaico, não há evidência de que as palavras de Mateus 28:19 fossem diferentes do texto que conhecemos.

2. Antigos escritores cristãos – Outra maneira de saber quais eram as palavras exatas que apareciam nos textos originais do Novo Testamento é ver como eram citados pelos autores cristãos que viveram pouco tempo depois dos apóstolos. Aqueles que afirmam que o texto original de Mateus 28:19 foi modificado dizem que esses autores citavam a passagem sem as palavras “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”.

Os documentos históricos, no entanto, mostram que todas as vezes em que os antigos escritores cristãos se referiam a Mateus 28:19, eles citavam as palavras “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”. Os exemplos incluem a Didaquê, um manual doutrinário para candidatos ao batismo, produzido entre 70 e 100 d.C.; Inácio de Antioquia (50-110 d.C.); Justino Mártir (100-165 d.C.); Taciano, o Sírio (120-180 d.C.); Irineu de Lyon (130-200 d.C.); Tertuliano de Cartago (150-220 d.C.); Hipólito de Roma (170-235 d.C.); Orígenes (185-253 d.C.); Cipriano (morreu em 258 d.C.); Dionísio de Alexandria (morreu em 265 d.C.); Vitorino de Pettau (morreu em 303 d.C.) e os autores do Tratado Contra o Herege Novaciano e do Tratado Sobre o Rebatismo.[9]

Outro argumento comum contra a autenticidade de Mateus 28:19 se baseia nos escritos de Eusébio de Cesareia (265-339 d.C.), historiador cristão que viveu na época do imperador Constantino. Várias vezes ele citou Mateus 28:19 com as palavras “em Meu [de Jesus] nome”. Os estudiosos observam, entretanto, que Eusébio tinha o hábito de citar a Bíblia de forma bastante imprecisa.[10] Por isso, suas citações não são utilizadas para se determinar as palavras exatas do Novo Testamento.

Em realidade, Eusébio citava Mateus 28:19 de três maneiras diferentes: (1) “Ide e fazei discípulos de todas as nações”; (2) “Ide e fazei discípulos de todas as nações em Meu nome”; e (3) “Ide e fazei discípulos de todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”. É importante observar que Eusébio jamais citou o texto como se esse ordenasse o batismo “em Meu nome”, mas fazer discípulos em Meu nome.

Alguns afirmam que, antes do Concílio de Niceia (325 d.C.), Tertuliano citava o texto da primeira e segunda formas e, depois do Concílio, citava da terceira forma. Esse argumento possui várias falhas: (1) ao contrário do que geralmente é dito, o Concílio de Niceia não discutiu a Trindade, mas a relação de Cristo com Deus, o Pai; (2) Mateus 28:19 não era um texto utilizado nas discussões sobre a Trindade e a natureza de Cristo na época de Eusébio; e (3) Eusébio utilizou cada uma das três formas antes e depois do Concílio de Niceia.

Além disso, ao mencionar o texto de Mateus 28:18-20, Eusébio combinava-o com Mateus 10:8; 24:14; Marcos 16:17; Lucas 24:47 e João 20:22. Portanto, ele não citava as palavras de Mateus 28:19 de forma isolada, mas mesclava todas essas passagens. As palavras “em Meu nome” derivam de Marcos 16:17 e Lucas 24:47.[11]

3. A Bíblia de Jerusalém Aqueles que defendem que o texto original de Mateus 28:19 foi modificado costumam citar uma nota de rodapé da Bíblia de Jerusalém a respeito dessa passagem. A nota afirma: “É possível que em sua forma precisa, essa fórmula reflita influência do uso litúrgico posteriormente fixado na comunidade primitiva. Sabe-se que o livro dos Atos fala em batizar ‘no nome de Jesus’ (cf. At 1,5+, 2,38+). Mais tarde deve ter-se estabelecido a associação do batizado às três pessoas da Trindade.”[12] De acordo com os defensores da teoria que estamos analisando, essa citação afirma que o evangelho de Mateus originalmente não continha as palavras “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”.

Para que essa nota de rodapé seja entendida corretamente, precisamos nos lembrar de que as introduções e notas da Bíblia de Jerusalém foram escritas por estudiosos católicos e protestantes que interpretam as Escrituras por meio do método histórico-crítico. Esse método afirma (1) que os autores da Bíblia não produziram um livro completamente harmônico, mas repleto de contradições históricas e teológicas; (2) que a Bíblia não é a Palavra de Deus, mas apenas contém a Palavra de Deus (ensinos corretos) mesclada à palavra dos seres humanos (falsos ensinos resultantes da sociedade primitiva); (3) que, antes de serem escritos, os textos bíblicos circulavam de forma oral, e muito de sua exatidão foi perdida; (4) que a Bíblia foi escrita não apenas por profetas, mas pelas comunidades em que eles viviam; (5) que essas comunidades selecionaram, escreveram, corrigiram e acrescentaram textos aos escritos originais dos profetas e apóstolos; e (6) que o leitor da Bíblia não deve aceitar como correta a declaração de um texto bíblico até que ele seja confirmado pela ciência ou pela história. Não podemos aceitar esse método, pois cremos que a Bíblia é a Palavra escrita de Deus e não contém falsos ensinos humanos (Mt 5:17-18; Mc 7:13; Jo 10:35; 2Tm 3:16; 2Pe 1:20-21).[13]

Segundo os adeptos desse método, os evangelhos muitas vezes não apresentam as palavras autênticas de Jesus, mas as adaptam conforme a necessidade e as crenças (corretas ou incorretas) dos cristãos que escreveram cada evangelho. Muitas narrações e milagres foram inventados ou distorcidos com o objetivo de ensinar lições morais a seus leitores. Para esses estudiosos, o evangelho de Mateus terminou de ser escrito depois da morte desse apóstolo. Mateus já havia escrito as partes essenciais do evangelho, mas o texto foi ampliado pelos líderes da igreja local fundada por ele. E, nesse processo, diversas histórias e ensinos falsos acabaram por entrar no evangelho.

A compreensão dos adeptos do método histórico-crítico a respeito de Mateus 28:19 é apresentada, por exemplo, pelo Anchor Bible Dictionary. Esses estudiosos admitem que o evangelho original de Mateus ensina “o batismo no nome da Trindade (28:19), ordenado pelo ressurreto Filho do homem”[14] e “a menção da Trindade na fórmula batismal”.[15] Porém, eles argumentam que essa “não é uma declaração autêntica de Jesus nem mesmo uma elaboração de uma declaração de Jesus sobre o batismo”.[16] Em outras palavras, o evangelho de Mateus afirma que Jesus pronunciou essas palavras, mas, em realidade, isso jamais aconteceu.

Os defensores da teoria argumentam, ainda de acordo com o Anchor Bible Dictionary, que “Mateus 28:19 representa a convicção do evangelista de que sua igreja [comunidade local] praticava o batismo de acordo com a vontade de Jesus e reflete a fórmula batismal ali utilizada”.[17] Ou seja, a igreja local onde foi escrito esse evangelho batizava “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”. Na tentativa de justificar essa prática, o evangelho afirma, de maneira enganosa, que essa havia sido uma ordem dada por Jesus.

Christopher Stead argumenta que Mateus não estava “relatando palavras autênticas de Jesus; o que, sem dúvida, a passagem deixa claro é que a fórmula triádica [a expressão “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”] era, nesses termos, aceita e usada numa influente comunidade cristã algum tempo antes de 100 d.C. (já que, ainda que o Evangelho [de Mateus] fosse datado de um pouco mais tarde, dificilmente o escritor poderia estar introduzindo uma novidade)”.[18] A ideia defendida é a mesma que aparece no Anchor Bible Dictionary.

Aqueles que afirmam que o texto de Mateus 28:19 foi modificado citam vários outros livros, principalmente enciclopédias, que apresentam a mesma teoria que a Bíblia de Jerusalém, o Anchor Bible Dictionary e Christopher Stead. Mas não podemos aceitar o que é dito por essas fontes, pois se baseiam no método histórico-crítico para analisar esse versículo. Além disso, ao contrário do que fizemos no início deste artigo, nenhuma dessas fontes cita qualquer autor antigo para apoiar suas conclusões. Em outras palavras, são meras suposições sem qualquer fundamento histórico.

À luz desses fatos, a nota de rodapé da Bíblia de Jerusalém a respeito de Mateus 28:19 pode ser facilmente compreendida. Citamos novamente o texto em discussão e acrescentamos comentários entre colchetes: “É possível [no método histórico-crítico há poucas certezas e muitas suposições] que em sua forma precisa, essa fórmula [que está no evangelho de Mateus; em momento algum a nota nega esse fato] reflita influência do uso litúrgico [da cerimônia do batismo] posteriormente fixado [a expressão surgiu não quando Jesus a proferiu, mas muito tempo depois] na comunidade primitiva [a igreja local de Mateus]. Sabe-se que o livro dos Atos [escrito antes da destruição do templo, em 70 d.C.] fala em batizar ‘no nome de Jesus’ (At 1,5+, 2,38+). Mais tarde [na igreja de Mateus, no fim do primeiro século] deve ter-se estabelecido a associação do batizado às três pessoas da Trindade.”

De acordo com os adeptos do método histórico-crítico, não é porque Jesus assim havia ordenado que a comunidade de Mateus batizava “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”. Ao contrário: o evangelho falsamente atribui a Jesus essas palavras porque aquela comunidade já as utilizava. Portanto, de acordo com esses estudiosos, não foi o ensino de Jesus que determinou a prática dos cristãos, mas a prática dos cristãos que determinou o suposto ensino de Jesus.

Não podemos concordar com a nota da Bíblia de Jerusalém sobre Mateus 28:19, pois ela argumenta que Jesus não pronunciou as palavras registradas nesse versículo. Mas a citação não afirma que as palavras “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” não estavam no texto original do evangelho. Aqueles que defendem a teoria que analisamos distorcem a declaração da Bíblia de Jerusalém.

Conclusão

As evidências mostram, de maneira unânime, que as palavras “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (1) aparecem em todos os manuscritos gregos do evangelho de Mateus e, portanto, estavam no texto original; (2) sempre foram citadas exatamente dessa maneira pelos antigos escritores cristãos; e (3) não têm sua presença no evangelho de Mateus negada pela Bíblia de Jerusalém ou por fontes semelhantes. Portanto, a teoria de que o texto original de Mateus 28:19 foi modificado pela Igreja Católica não possui qualquer fundamento.

Aqueles que, contra todas as provas, insistem em rejeitar a autenticidade de Mateus 28:19, deveriam considerar as advertências de Deus contra o desprezo a qualquer parte das Escrituras (Mt 5:17, 18; Mc 7:9-13; Ap 22:19). A respeito daqueles que confiam em Sua Palavra, o Senhor declara: “A este Eu estimo: ao humilde e contrito de espírito, que treme diante da Minha Palavra” (Is 66:2, NVI).

(Matheus Cardoso é editor associado da revista Conexão JA e editor assistente de livros na Casa Publicadora Brasileira)

Referências:

[1] Para mais informações sobre a autenticidade de Mateus 28:19, veja as seguintes pesquisas acadêmicas disponíveis na internet: Vander Ferraz Krauss, “A Fórmula Batismal de Acordo com Mateus 28:19” (monografia, Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia, Instituto Adventista de Ensino do Nordeste, 2004); Tim Hegg, “Mateus 28:19: Uma investigação crítica-textual [sic]”; Mark Clarke, “Textual Evidence and the Great Comission”.

[2] Para estudo sobre a história e confiabilidade dos manuscritos do Novo Testamento, ver Wilson Paroschi, Crítica Textual do Novo Testamento (São Paulo: Editora Vida, 1998); Bruce M. Metzger e Bart Ehrman, The Text of the New Testament: Its Transmission, Corruption, and Restoration (Nova York: Oxford University Press, 2005).

[3] Ver, por exemplo, Benjamin J. Hubbard, The Matthean Redaction of a Primitive Apostolic Commissioning: An Exegesis of Matthew 28:16-20, Society of Biblical Literature Dissertation Series, v. 19 (Missoula, MT: Scholars’ Press, 1974); J. Schaberg, The Father, the Son and the Holy Spirit: The Triadic Phrase in Matthew 28:19b, Society of Biblical Literature Dissertation Series, v. 61 (Chicago: Scholars’ Press, 1982); Donald A. Hagner, Matthew 14-28, Word Biblical Commentary, v. 33b (Nashville, TN: Thomas Nelson, 1995), p. 880-881.

[4] Erwin Nestle e Kurt Aland, eds., Greek-English New Testament (Stuttgart: Deutsche Bibelgessellschaft, 1994), p. 87; Bruce M. Metzger, A Textual Commentary on the Greek New Testament (Nova York: United Bible Societies, 1994).

[5] G. W. Bromiley, “Baptism”, em International Standard Bible Encyclopedia, ed. Geoffrey W. Bromiley (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1979), v. 1, p. 411.

[6] Alfred Plummer, An Exegetical Commentary on the Gospel of Matthew (James Family Reprint, s/d), p. 432.

[7] Hagner, Matthew 14-28, p. xiv.

[8] George Howard, Hebrew Gospel of Matthew (Macon, GA: Mercer University Press, 1995).

[9] Didaquê 7.1-3; Inácio, Aos Filadelfos 9, em The Ante-Nicene Fathers: Translations of the Writings of the Fathers down to A. D. 325 (daqui em diante, ANF), ed. Alexander Roberts e James Donaldson (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1967), v. 1, p. 85; Justino Mártir, Primeira Apologia 61, em ANF, v. 1, p. 183; Taciano, o Sírio, Diatessaron 55; Irineu, Contra Heresias 3.17.1, em ANF, v. 1, p. 444; Tertuliano, Prescrições Contra os Hereges 20, em ANF, p. 3, p. 252; idem, Contra Práxeas 26, em ibid., p. 623; idem, Sobre o Batismo 6, 8, em ibid., p. 672, 676; Hipólito, A Tradição Apostólica 21; Contra a Heresia de um Certo Noeto 14, em ANF, p. 5, p. 228; Orígenes, Comentário de Romanos 5.8; Cipriano, Epístolas 24.2, em ANF, p. 5, p. 302; 62.18, em ibid., p. 363; 72.5, em ibid., p. 380; idem, Tratados, 12.2.26, em ibid., p. 526; idem, Sétimo Concílio de Cartago, em ibid., p. 567, 568, 569; Dionísio de Alexandria, Primeira Carta a Sisto, Bispo de Roma 2; Vitorino de Pettau, Comentário Sobre o Apocalipse do Bendito João, 1.15 em ANF, v. 7, p. 345; Tratado Contra o Herege Novaciano 3, em ANF, p. 5, p. 658; Tratado Sobre o Rebatismo 7, em ANF, p. 5, p. 671. Todas essas referências estão disponíveis no site da Christian Classics Ethereal Library.

[10] Hubbard, The Matthean Redaction of a Primitive Apostolic Commissioning, p. 151-175.

[11] G. R. Beasley-Murray, Baptism in the New Testament (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1988), p. 82.

[12] Bíblia de Jerusalém (São Paulo: Paulus, 2002), p. 1.758.

[13] O uso do método histórico-crítico pela Bíblia de Jerusalém pode ser visto, por exemplo, nas introduções ao Pentateuco (p. 21-31), a Provérbios (p. 1.020-1.021), a Isaías (p. 1.237-1.239), a Daniel (p. 1.244-1.246) e aos quatro evangelhos (p. 1.690-1.694). Para uma introdução ao método histórico-crítico, ver Augustus Nicodemus Lopes, A Bíblia e Seus Intérpretes: uma breve história da interpretação (São Paulo: Cultura Cristã, 2004), p. 183-195, 241-244. Uma análise crítica desse método pode ser encontrada em Gerhard F. Hasel, Teologia do Antigo e Novo Testamento: questões básicas no debate atual (São Paulo: Academia Cristã, 2007).

[14] Lars Hartman, “Baptism”, em The Anchor Bible Dictionary, ed. David Noel Freedman (New York: Doubleday, 1992), v. 1, p. 584.

[15] Ibid., p. 590.

[16] Ibid., p. 585.

[17] Ibid., p. 590.

[18] Christopher Stead, A Filosofia na Antiguidade Cristã (São Paulo: Paulus, 1999), p. 142.

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