quarta-feira, fevereiro 13, 2013

O papado e a profecia de Apocalipse 17

Como entender a profecia de Apocalipse 17:9-11?

Vem sendo apresentada em nossas igrejas uma abordagem profética de Apocalipse 17:9-11 distinta da linha tradicional historicista de interpretação que, por anos, sustentamos. O texto contém a explicação dada pelo anjo a João, das sete cabeças da besta escarlate: “Aqui está o sentido, que tem sabedoria: as sete cabeças são sete montes, nos quais a mulher está sentada. São também sete reis, dos quais caíram cinco, um existe, e o outro ainda não chegou; e, quando chegar, tem de durar pouco. E a besta, que era e não é, também é ele, o oitavo rei, e procede dos sete, e caminha para a destruição.” A abordagem tenta identificar os sete reis aí referidos, e é de fato uma interpretação da interpretação feita pelo anjo, esta, sem dúvida, com o aval divino, o que não se pode garantir quanto àquela.

A mulher é identificada, no verso 18, como a cidade que domina sobre a Terra. Por implicação, temos que admitir que Roma está sendo referida. Esse fato é confirmado na interpretação do anjo, quando ele afirma que as sete cabeças da besta “são sete montes, nos quais a mulher está assentada”. Que Roma é a cidade das sete colinas não é novidade para ninguém. Mas, e quanto aos sete reis, também representados pelas sete cabeças?

Segundo essa abordagem, os sete reis são os sete papas que governam a Igreja Católica a partir de 11 de fevereiro de 1929, quando o Cardeal Gasparri e Benito Mussolini assinaram o Tratado de Latrão, estabelecendo o Estado do Vaticano e assegurando à Santa Sé independência absoluta e soberania de caráter civil e político. A abordagem se fundamenta em três premissas básicas:

1. A cura da ferida mortal requer a volta ao papa da soberania religiosa e secular, tal como ele detinha antes de receber a ferida. Assim a ferida começou a ser curada em 1929.

2. O contexto de tempo de Apocalipse 17 é este final de milênio, pois desde 1929 passaram cinco papas. A Igreja hoje é conduzida por João Paulo II, o “sexto rei” da profecia. [Este artigo foi escrito em 1999; portanto, segundo essa compreensão da profecia, Bento XVI seria o sétimo rei.]

3. O sucessor de João Paulo II deverá “reinar” por “pouco tempo”, não porque morrerá logo, mas porque convidará o “oitavo rei” a que ocupe o trono do Vaticano. O “oitavo rei” é o diabo, personificando Jesus. Obviamente, o papa não continuará conduzindo a Igreja se aquele que ele pensa tratar-se de Jesus, o fundador dela, está presente pessoalmente e visivelmente no mundo. Esse oitavo papa naturalmente contará com a admiração e sujeição do mundo todo, e o levará finalmente a combater a igreja remanescente na intenção de destruí-la na batalha do Armagedon.

O assunto é explorado pelo Dr. Robert N. Smith Jr., adventista leigo do Texas, em seu livro The Sixth King – “666” and The New World Order, obra publicada em 1993. Outros autores norte-americanos, todavia, se anteciparam ao Dr. Smith Jr., entre eles o Dr. Robert Hauser, da Califórnia, autor de Give Glory to Him – The Sanctuary in the Book of Revelation, publicado dez anos antes. Os referidos autores participam de ministérios independentes na América, alguns dos quais operam à revelia da organização adventista, e livros dessa natureza, em geral, não contam com o apoio oficial da Igreja, havendo razões para isso.

Algumas inquietudes

Podemos, por exemplo, imaginar a reação imediata a essa interpretação: muito interesse, excitação, e até mesmo alvoroço. Afinal, não podemos esperar outra coisa, considerando que: (1) o atual papa [João Paulo II], com quase 80 anos, está com a saúde muito debilitada e poderá morrer a qualquer momento; (2) segundo a interpretação, o próximo papa vai durar pouco [o que ocorreu de fato], e será o último antes de o diabo contrafazer a volta de Jesus; e (3) quando tal contrafação acontecer, a porta da graça seguramente já terá sido fechada. Fascinante!!!

Mas há questões que precisam ser encaradas: É de excitação que necessitamos, ou de um reavivamento que nos leve a uma completa consagração a Deus? Considerando que os proponentes dessas “novas luzes” acabam reinterpretando períodos proféticos (tais como os 1.260, 1.290 e 1.335 dias de Daniel 12), com uma aplicação futurista (portanto, contrariando o critério historicista adotado pela Igreja), aplicação que os leva automaticamente a tentativas de cálculo do tempo para a volta de Jesus, seria correto que os líderes da Igreja aplaudissem essas interpretações e escancarassem as portas para acolhê-las? Não é verdade também que esses proponentes geralmente criticam a organização e nossos pastores, afirmando que são negligentes por ocultar ao povo as “verdades”?

E no que respeita à interpretação propriamente dita, conta ela com um claro “assim diz o Senhor”? Se sim, onde se encontra? Se não, é um risco a Igreja acatar como verdade a interpretação meramente humana de uma profecia ainda por cumprir. E depois, se os fatos tomam outra direção, como fica a Igreja? Que desculpa dará ao mundo e aos próprios membros, pelos equívocos da mensagem anunciada?

E as interpretações alternativas? Não deveriam igualmente ser consideradas? São os proponentes da “nova interpretação” os donos da verdade? É toda ela coerente com o sentido geral das profecias bíblicas?

A trajetória papal desde 1798

Um breve levantamento de fatos que marcaram a trajetória do papado, desde que a ferida mortal de Apocalipse 13:3 foi aplicada, ajuda-nos a notar a evolução da cura. Entendemos que a ferida se deu em 20 de fevereiro de 1798, quando Bertier, a mando de Napoleão Bonaparte, aprisionou Pio VI e o desterrou. Pio VI morreu no exílio no ano seguinte. A Igreja Católica ficou sem um chefe supremo até 14 de março de 1800, quando o conclave de Veneza apontou um novo papa, Pio VII, que governou até 20 de agosto de 1823.

Embora o primado de Pio VII tenha sido marcado por altos e baixos, é possível entrever na posse do novo papa o começo da recuperação do poder antes desfrutado pelo mandatário da Igreja, recuperação profeticamente conhecida como a cura da ferida mortal.

Em 15 de agosto de 1801, Pio VII assinou a concordata com Napoleão, garantindo o restabelecimento da Igreja na França, embora submissa ao Estado. Em 2 de dezembro de 1804, o papa esteve presente em Paris para a proclamação de Napoleão como imperador da França. Foi aprisionado em Roma, em 1809, e retido em Savona e Fontainebleau. Retornou, porém, para Roma em 1814, exatamente quando Napoleão era obrigado a renunciar à coroa. No ano seguinte, no congresso de Viena, foram recuperados os Estados pontificais, antes anexados à França por Napoleão. O papa, assim, voltava a exercer igualmente o poder temporal de que estava investido desde 756, quando Pepino o Breve, rei dos Francos, doou à Igreja o conhecido patrimônio de São Pedro, mais tarde também reconhecido por Carlos Magno. Esse patrimônio reunia dois Exarcados: o de Ravena e o de Pentápole.

De 28 de agosto de 1823 a 10 de fevereiro de 1829, Leão XII assumiu o governo da Igreja, e estabeleceu concordatas com vários países, entre eles a Alemanha, a Suíça e a Holanda, todos protestantes. Os dois papas seguintes, Pio VIII e Gregório XVI, combateram determinadas pressões anticlericais, como a maçonaria e o liberalismo. Pio IX acabou perdendo os estados pontificais em 1870 com a derrota das tropas papais para os piemonteses que lutavam pela unificação da Itália. A partir desse ano, o poder temporal do papa esteve restringido ao palácio do Vaticano. Pio IX, e os quatro papas seguintes, Leão XIII, Pio X, Benedito XV e Pio XI, passaram então a ser considerados virtualmente prisioneiros do Vaticano, até que em 11 de fevereiro de 1929, através do Tratado de Latrão, ficava estabelecido o Estado do Vaticano, e concedia-se à Igreja, através da concordata italiana, plenos direitos de cooperação e participação na vida militar, social e na educação.

Devemos notar que mesmo os papas que foram considerados prisioneiros do Vaticano exerceram decidida influência não só na Igreja mas também no mundo. Leão XIII empenhou-se na restauração do prestígio da Igreja por uma tomada de posição em favor da classe operária e da abolição da escravatura. Buscou também a plena reconciliação com a França. Benedito XV, com seu denodado esforço de intermediar com as nações em conflito na I Grande Guerra, promoveu a troca de prisioneiros e incentivou, com a encíclica Pacem Dei, de 23 de maio de 1920, a reconciliação entre beligerantes. Isso pode significar que a ferida mortal não passou a ser curada apenas a partir de 1929. Nesse ano foi dado um importantíssimo passo no processo de cura, que, entretanto, foi iniciada antes.

Após o Tratado de Latrão, a Igreja se envolveu mais e mais em assuntos sociais. Em 1931 e 1937, Pio XI emitiu as encíclicas Non abbiamo bisogno e Mit brennender Sorge, em que condenou os abusos do fascismo e do nazismo, embora tivesse abençoado as tropas italianas que partiam para a guerra em apoio à Alemanha. Também em 1937 foi lançada a encíclica Divini Redemptoris, em que o comunismo foi condenado.

Pio XII revelou-se um profundo conhecedor dos problemas internacionais, pronunciando vários discursos sobre questões de natureza social. João XXIII se destacou pela convocação do Concílio Vaticano II, em que a união da cristandade foi um ponto de referência. A partir especialmente de João XXIII, a Igreja adquiriu uma feição renovada e moderna, em que o antigo radicalismo cedeu lugar a um sentimento de tolerância e abertura a grupos não católicos, inclusive os de fora da cristandade.

Paulo VI deu continuidade ao plano de expansão da atuação católica no mundo, e a abertura proposta pelo referido Concílio, enquanto que o papa seguinte, João Paulo I, não teve tempo de atuar, pois permaneceu no poder de 21 de junho a 6 de agosto de 1978, apenas.

Finalmente, o papa atual [em 1999], João Paulo II, desde 16 de outubro de 1978, tem-se tornado o Estadista dos Estadistas. Polonês de nascimento, seu primado, sem sombra de dúvida, contribuiu substancialmente para o fim do império soviético. Cada vez mais reconhecido em todo o mundo pelas famosas “peregrinações”, suas viagens a diversos países, incluindo a nação mais protestante do mundo, os Estados Unidos, ele, com seu carisma, tem-se imposto como um elemento de impacto, movendo a opinião pública, e incentivando profundas reformas de caráter político, social e religioso, que [priorizaram] o homem, seus valores e direitos. Não é por mero acaso que, mesmo governantes não cristãos, como Saddam Hussein, do Iraque, busca[ra]m o apoio e a intermediação papal em assuntos internacionais.

[Era] visto como o líder mundial por excelência, que encarna[va] os anseios e direitos dos oprimidos, e [tinha] possíveis respostas para as inquietações de uma sociedade cada vez menos segura de seu destino. E tudo sem o mínimo afastamento das prerrogativas que a Igreja tradicionalmente advoga e sustenta, e que exigem uma unidade de pensamento e ensino teológico, e também o reconhecimento. A Igreja apenas se adapta a uma nova realidade, mas continua sendo o que sempre foi: a única, da qual membros de outras agremiações são apenas irmãos separados, que devem ser reconduzidos à liderança do único pastor.

Daí o empenho pela união da cristandade, tão claramente definida na encíclica Ut unun sint, para cuja efetivação a guarda do domingo seria um fator primordial e imprescindível, como se observa nas entrelinhas de sua Carta Apostólica Dies Domini. E da união cristã, partir então para a união fraterna do mundo, para o que João Paulo II [propôs], no grande jubileu que [marcou] a abertura do terceiro milênio, uma coalizão de forças.

“Nova interpretação”

A interpretação que aponta o papa [João Paulo II] como o sexto rei de Apocalipse 17:9 e 10 exige, para ser correta, que o processo de cura da ferida mortal comece em 1929. É crido que isso aconteceu, considerando-se que o Tratado de Latrão proveu a formação do Estado do Vaticano, e consequentemente a volta do poder temporal ao papa, e que isso é um passo decisivo inicial para conduzir o papado ao domínio do mundo.

Mas essa ideia esbarra no fato de que a cura restaura uma supremacia que não implica necessariamente a posse do poder temporal, já que a mesma, anteriormente exercida por 1.260 anos, de 538 a 1798, nem sempre contou com esse tipo de poder. De fato, o papado obteve o poder temporal, como já se viu, só em 756. Em outras palavras, por quase 220 anos, exatamente de 538 a 756, o papado exerceu a supremacia sem contar com o poder temporal. Por que, então, seria necessário agora, para se iniciar o processo de recuperação da supremacia perdida, que o poder temporal fosse reassumido? Assim, é questionável que o processo tenha se iniciado em 1929. Seria mais natural admitir que isso tenha acontecido com a ascensão de Pio VII, em 1800.

Ademais, Pio VII retomou os estados pontificais em 1815. Por que então não adotar esse ano em lugar de 1929? Seria porque em 1870 o papado tornou a perder o poder temporal? Nesse caso, de quantas feridas mortais nos fala a profecia? Uma, duas, quantas? E teria ocorrido o começo de um segundo processo em 1929?

Além disso, parece que Ellen G. White via em andamento, já em seus dias, o processo da cura. Ela escreveu em 1888: “A influência de Roma [...] está ainda longe de ser destruída. E a profecia prevê uma restauração de seu poder: [Apocalipse 13:3 é citado]. A inflição da chaga mortal indica a queda do papado em 1798. Depois disto, diz o profeta: [a segunda parte de Apocalipse 13:3 é citada]. Paulo declara expressamente que o homem do pecado perdurará até ao segundo advento (2Ts 2:8). Até mesmo ao final do tempo prosseguirá com a sua obra de engano. E diz o escritor do Apocalipse, referindo-se também ao papado: ‘Adoraram-na todos os que habitam sobre a Terra, esses cujos nomes não estão escritos no livro da vida’ (Ap 13:8). Tanto no Velho como no Novo Mundo o papado receberá homenagem pela honra prestada à instituição do domingo, que repousa unicamente na autoridade da Igreja de Roma. [...]

“Nos acontecimentos que ora estão a ocorrer, percebe-se rápido progresso no sentido do cumprimento da profecia. Com os ensinadores protestantes há a mesma pretensão de autoridade divina para a guarda do domingo, e a mesma falta de provas bíblicas, que há com os chefes papais. [...] A asserção de que os juízos divinos caem sobre os homens por motivos de violarem o repouso dominical será repetida. Já se ouvem vozes nesse sentido. E o movimento para impor a observância do domingo está rapidamente ganhando terreno.

“A sagacidade e astúcia da Igreja de Roma são surpreendentes. Ela sabe ler o futuro. Aguarda o seu tempo, vendo que as igrejas protestantes lhe estão prestando homenagem com o aceitar do falso sábado, e se preparam para impô-lo pelos mesmos meios que ela própria empregou em tempos passados” (O Grande Conflito, p. 578, 579). Os meios que ela empregou no passado são a força do poder civil.

Os tempos são solenes

O decreto dominical culminará na cura da ferida. Algumas das organizações protestantes que já propuseram ou estão hoje propondo uma legislação dominical de caráter civil nos Estados Unidos, são: National Reform Association (Associação Nacional de Reforma), International Reform Bureau (Associação Internacional de Reforma), e Lord’s Day Alliance of Christ in America (Aliança Cristã do Dia do Senhor na América).

Certas entidades de direita, como Christian Coalition (Coalizão Cristã) e Focus on the Family (Focalizando a Família), cada vez mais se empenham junto ao governo pelo apoio a projetos de natureza sócio-religiosa. Para alguns, o ideal seria uma vinculação Igreja/Estado, para que as demandas fossem efetivamente atendidas e cumpridas. Se isso acontecer, não há dúvida, o cumprimento, por força de lei, de deveres religiosos, incluindo a observância do domingo, se tornará logo uma realidade. Os dias atuais, no que respeita às previsões proféticas, são de solene importância. Estejamos atentos.

Como, então, encarar essa nova linha de interpretação dos sete reis? Não com incredulidade. Mas também não com entusiasmo tal que a consideremos uma verdade infalível. O próprio Dr. Smith Jr. recomenda cautela: “A inspiração tem estado silente quanto à identificação das sete cabeças. Absolutamente não existe indicação alguma de que essas cabeças representam nações ou indivíduos dentro de um sistema organizado de forças antideus. É imperativo, portanto, que procedamos com cautela em qualquer tempo em que venhamos predizer uma profecia não cumprida. Ninguém pode fazer uma declaração dogmática sobre o que está para vir” (The Sixth King, p. 120).

Não nos esqueçamos de que essa nova interpretação é, para todos os efeitos, uma simples hipótese e nada mais que isso; só o tempo a comprovará como verdade ou equívoco. Se lhe fecharmos o coração e ela finalmente for comprovada, poderemos nos prejudicar. Mas se a anunciarmos aos quatro ventos como verdade e então se comprovar que ela foi um grande equívoco, será uma pedra de tropeço.

A Igreja e o mundo não precisam nem de alarmismo nem de sensacionalismo. Afinal, temos tantas verdades que contam com um claro “assim diz o Senhor”, e que devem ser estudadas e proclamadas, que qualquer empenho com simples hipóteses é simplesmente irrelevante. E vivamos de tal forma que, se Cristo vier amanhã, ou ainda hoje, louvado seja o Seu nome. Estejamos prontos para saudá-Lo e para nos reunir com Ele.

O tempo para o qual a visão se aplica

Há claros indícios de que a profecia de Apocalipse 17 se cumpre nos dias finais:

1. É um dos sete anjos que portam as sete pragas que se comunica com João (v. 1).

2. A visão alude a um evento escatológico, o “julgamento” da meretriz (v. 1). Devemos notar que a palavra grega para julgamento aqui é kríma, que significa “sentença, veredito”, em contraste com krísis, “juízo”, em Apocalipse 18:10, que se aplica mais à execução do julgamento.

Naturalmente, a sentença vem antes da execução. A primeira é dado algum tempo antes da volta de Jesus, através do juízo investigativo iniciado em 1844. Entendemos que nesse ano começou o julgamento do povo de Deus e não dos poderes iníquos, mas não devemos esquecer que a absolvição dos santos resulta em simultânea condenação de seus opressores. Apocalipse 18:24 diz que em Babilônia “se achou sangue de profetas, de santos, e de todos os que foram mortos sobre a terra”. A expressão “se achou” evoca a ideia de um juízo investigativo, a exemplo de Daniel 12:1 e Apocalipse 20:12 (ver O Grande Conflito, p. 480-482).

A execução da sentença contra a mulher, no contexto desse capítulo, é dada imediatamente antes da volta de Jesus (v. 16). Talvez devêssemos considerá-la uma execução preliminar, já que é no fim do milênio que o mundo ímpio será definitivamente destruído (Ap 20:9).

3. O pleno domínio das nações da Terra, por parte da besta, no capítulo 13 (o que corresponde, no capítulo 17, à mulher assentada “sobre muitas águas”, ou cavalgando a besta escarlate, veja o tópico seguinte) ocorre com a cura da ferida mortal (v. 3, 7, 8), tornada possível com o auxílio da segunda besta (v. 12-17). Esta representa a maior nação protestante do mundo, os Estados Unidos.

A ferida mortal foi aplicada no papado em 1798, ao Bertier, sob Napoleão Bonaparte, aprisionar Pio VI, como vimos. Considerando que o romanismo ainda não tem o domínio total das nações, temos que convir que a cura completa aguarda pelo futuro próximo. Apocalipse 17:8 afirma que a besta “era” (indica o papado como elemento perseguidor antes de 1798), “não é” (indica o papado impossibilitado de exercer um domínio opressor durante o tempo em que a ferida mortal não está totalmente curada), “mas aparecerá” (indica o governo papal plenamente restaurado, de posse agora do domínio mundial e exercendo novamente o poder de perseguição).

4. É-nos dito também que a besta “está para emergir do abismo” (v. 8). Há dois modos de interpretarmos essa afirmação: o primeiro é considerá-la na perspectiva da cura da ferida mortal, o que estabeleceria o ponto focal de tempo do cumprimento profético como aquele que antecede imediatamente a restauração papal. O segundo será referido adiante.

5. A mulher é identificada como “a mãe das meretrizes” (v. 5). Se a mulher representa o poder religioso romano, suas “filhas”, também mulheres, devem representar outros sistemas religiosos que, no contexto desta profecia, se lhe submetem e a apoiam.

Na verdade, várias dessas “filhas” nem sempre foram filhas, pois houve uma época em que o protestantismo era fiel ao seu legado. É a partir do verão de 1844, quando a segunda mensagem angélica (“caiu, caiu Babilônia”) começou a ser pregada (ver O Grande Conflito, p. 602), que as igrejas evangélicas nominais passam a se desviar da verdade, apostatam e acabam finalmente se submetendo ao domínio maternal de Babilônia. Sabemos que uma combinação de espiritismo, protestantismo apostatado e catolicismo (com a provável adesão de outras forças religiosas da Terra, como o judaísmo, o islã e religiões do extremo oriente) em apoio ao papado concorrerá para a culminação da cura da ferida mortal. Isso resultará na supremacia romana com força total, isto é, de forma muito mais ampla que aquela que ocorreu antes que a ferida mortal fosse aplicada.

6. Finalmente, a besta de Apocalipse 17, representando as nações da Terra sobre as quais o poder romano religioso efetivará seu poder político, não se assemelha apenas à primeira besta do capítulo 13, mas também ao dragão do capítulo 12. Enquanto a besta semelhante ao cordeiro, a segunda do capítulo 13, seduz o mundo todo a que façam “uma imagem à [primeira] besta” (v. 14), identificada como imagem da besta no verso 15 e em Apocalipse 14:9, 15:2, 16:2, 19:20 e 20:4, é evidente que as nações do mundo só serão semelhantes ao dragão quando a porta da graça se fechar, pois só aí a humanidade estará dividida em dois grupos: os salvos, que refletirão plenamente a imagem de Jesus, e os perdidos, que refletirão plenamente a imagem de satanás. Isso será assim, mesmo porque a imagem da besta é na realidade a imagem do dragão. Formar a imagem de um é, na verdade, formar a imagem do outro.

Portanto, a visão do capítulo 17 aponta especificamente para o tempo do fim como ocasião do seu cumprimento, com ênfase no momento em que o poder representado pela primeira besta de Apocalipse 13, plenamente restabelecido de sua ferida mortal, domina sobre os reinos da Terra, agora desfigurados na imagem do dragão e comportando seu caráter.

Não deveríamos, entretanto, radicalizar o aspecto de tempo da profecia, julgando que nada do que é dito em Apocalipse 17 se aplique à época do escritor. Talvez a melhor atitude seria considerar o tempo com duas aplicações, uma ligada à transmissão da profecia, e outra ao seu cumprimento. Parece impróprio, por exemplo, que a declaração do verso 18 não deva ser entendida na perspectiva da época do profeta.

Identificação da besta e da mulher

A descrição dessa besta é praticamente idêntica à do dragão do capítulo 12 e da besta semelhante ao leopardo do capítulo 13, com apenas uma aparente diferença: os chifres da besta do capítulo 13 estão ornados com coroas, o que não é dito da besta do capítulo 17. Todavia, o anjo, neste capítulo, interpreta esses chifres como sendo “dez reis” que exercerão autoridade com a besta por um tempo bastante curto (v. 12).

Embora a não menção de coroas no capítulo 17 possa comportar algum significado profético específico (alguns acham que isso seria um indício de que o regime político que caracterizará o maior número de nações no final da História será a democracia), seria normal considerar o detalhe das “coroas”, em 13, como estando em paralelo com o detalhe dos “reis”, em 17. Quanto ao dragão do capítulo 12, as coroas aparecem sobre as cabeças e não sobre os chifres, como em 13. Mas devemos notar que o anjo do capítulo 17 igualmente interpreta as cabeças como “reis” (v. 9), o que estabeleceria o mesmo paralelo. Além do mais, “vermelho”, a cor do dragão em 12:3, estaria em paralelo com “escarlate”, a cor da besta em 17:4.

A identificação do dragão é dada pelo próprio Apocalipse. Ele é “a antiga serpente, que se chama diabo e satanás” (12:9). Tradicionalmente, temos interpretado a primeira besta do capítulo 13 como uma figuração profética do sistema romano de governo eclesiástico, especificamente o papado. A besta do capítulo 17, a nosso ver, aponta basicamente para o próprio Satanás em distintas manifestações que vão desde a forma mais usual, através de indivíduos, regimes religiosos e políticos, e nações, que se consagram ao seu serviço, até o clímax da manifestação pessoal e direta. Na verdade, a manifestação de Satanás quando velada em seu verdadeiro caráter, aparece na forma de bestas, e quando declaradamente demoníaca, na forma de dragão. Por exemplo, no fim do milênio, apenas o dragão estará de volta. Nenhuma besta marcará presença porque a volta de Jesus, ocorrida mil anos antes, terá desmascarado toda a pretensão e forma velada de engano utilizadas por Satanás em seus seis mil anos de domínio na Terra. É por isso que é declarado que “a besta e o falso profeta” (o mesmo poder representado pela segunda besta do capítulo 13) são lançados no lago de fogo por ocasião da segunda vinda, e não no fim do milênio (Ap 19:21).

Inicialmente, a besta do capítulo 17 representa as diferentes nações que compõem o imenso mar da humanidade, e que, num futuro não muito distante, estarão sendo conduzidas pelo poder religioso representado pela mulher cavalgando a besta. Essa conclusão naturalmente emerge quando alguns pontos desse capítulo são considerados:

1. É dito que a mulher se assenta “sobre muitas águas” (v. 1).

2. Somos informados de que essas águas representam “povos, multidões, nações e línguas” (v. 15).

3. Ao João ser transportado em visão “a um deserto” para ver o que o anjo disse que veria, isto é, uma mulher assentada “sobre muitas águas”, ele vê, sim, uma mulher, mas assentada sobre uma “besta escarlate” (v. 3). Logo, a besta desse verso está em paralelo com “muitas águas”, dos versos 1 e 15. Vista por esse ângulo, a besta significa o que águas significam, a humanidade dividida em “povos, multidões, nações e línguas”, unidos sob um poder maligno. E nesse tempo, como já vimos, as nações serão o reflexo de satanás.

4. Na visão, a mulher aparece conduzindo a besta, pois a está cavalgando (o que corresponde à mulher assentada sobre muitas águas). Na interpretação o anjo diz que a mulher é “a grande cidade que domina sobre os reis [reinos] da terra” (v. 18). Observe que o verbo “dominar” aparece no presente do indicativo, “domina”. Se perguntarmos qual era a cidade que reinava sobre as nações da Terra quando o Apocalipse foi escrito, uma só resposta é possível: Roma. E se Roma é representada pela primeira besta do capítulo 13, temos que convir que essa besta equivale, em sua dimensão religiosa, à mulher do capítulo 17, e, em sua dimensão política, à besta desse capítulo. Em outras palavras, interpretando a mulher, o Apocalipse nos sugere igualmente esse aspecto da identidade da besta, os reinos da Terra onde a mulher efetiva o seu domínio.

Mas a besta aponta, particularmente no que respeita às suas cabeças, também a poderes na História que se colocaram nas mãos do diabo para o cumprimento de seus propósitos. Ao falar que a besta é o oitavo rei, quando de fato a profecia menciona sete reis e não oito, ficamos com a impressão de que a besta é a própria corporificação deles, e que ao final o maligno estará de volta para dominar com força total.

Assim, tanto a mulher como a besta representam a dominação romana, correspondendo a primeira, como diz o Comentário Bíblico Adventista, ao poder religioso, e a segunda ao poder político ou civil (CBA, v. 7, p. 851), tornado efetivo, naturalmente, em seu domínio das nações. A figura do oitavo rei também é sugestiva da restauração desse domínio.

Finalmente, essa besta representa Satanás em sua manifestação direta e pessoal no mundo, para executar sua derradeira obra de engano. O anjo afirma que ela emergirá do abismo e caminhará para a perdição (v. 8). A segunda maneira de interpretar essa afirmação é considerar a besta como o próprio dragão que, durante o milênio, estará retido no “abismo” e de lá será solto ao final para novamente exercer o domínio das nações, enganá-las, e então caminhar com elas para a destruição (Ap 20:1-3, 7-10).

A identidade dos sete reis

Tradicionalmente, sustentamos duas maneiras de interpretar os sete reis de Apocalipse 17:9 e 10. A primeira considera esses reis como representativos de sete diferentes formas de governo empregadas pelos romanos no transcurso de sua história: realeza, consulado, decenvirato, ditadura, triunvirato, império e papado. A segunda considera as sete cabeças como representações de poderes terrestres que historicamente exerceram domínio no mundo e oprimiram o povo de Deus: Egito, Assíria, Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia, Roma Imperial e Roma Papal.

As duas formas de interpretação coincidem no significado do verso 10. O tempo aí referido deve ser considerado do ponto de vista da comunicação profética e não do seu cumprimento. Seria, então, o tempo do próprio profeta, quando cinco formas do governo romano ou cinco reinos que oprimiram o povo de Deus eram coisa do passado, um existia, Roma Imperial, e a seguinte, Roma Papal, ainda viria. O oitavo rei seria o papado plenamente curado de sua ferida mortal, o que conforma com a declaração de que ele “procede dos sete” (v. 11).

A afirmação de que o sétimo rei, “quando chegar, tem de durar pouco” (v. 10) aparentemente contraria as duas formas de interpretação acima, pois 1.260 anos, o tempo da supremacia papal de 538 a 1798, seria considerado um tempo longo, principalmente se comparado com a duração do domínio dos seis poderes precedentes. Mas devemos lembrar que muitas das declarações do Apocalipse transcendem a mera literalidade dos termos empregados, e comportam um significado essencialmente teológico ou espiritual.

Assim, o Apocalipse se harmoniza com o restante do Novo Testamento ao afirmar que o tempo que transcorre entre a cruz e a volta de Jesus, é, na realidade, pequeno, não importa a extensão dele, pois a salvação agora já está consumada e a extinção do pecado inevitavelmente ocorrerá. O escritor sagrado, por exemplo, registrou em Hebreus 10:37 que “ainda dentro de pouco tempo aquele que vem virá e não tardará”. Esse “pouco tempo”, entretanto, já alcança quase dois mil anos. Da mesma forma, o Apocalipse fala das coisas “que em breve hão de acontecer” (algumas das quais não se cumpriram ainda), “que o tempo está próximo”, e que, a partir da cruz, o dragão está irado, “sabendo que pouco tempo lhe resta” (Ap 1:1; 22:10; 12:12).

Conclusão

Como afirmado anteriormente, a teoria do sexto rei não é mais que isso: uma teoria. Como tal, ela ainda será testada no laboratório da História. Nem devemos fechar o coração a ela, nem aceitá-la como revelação de Deus.

É verdade que a interpretação tradicional que sustentamos, a exemplo da teoria do sexto rei, não conta com um claro “assim diz o Senhor” através do Espírito de Profecia (pelo menos até agora o presente escritor não conseguiu localizar qualquer referência a respeito, nos escritos de Ellen White). Mas a grande diferença é que o que oficialmente ensinamos está em consonância com o historicismo como linha de interpretação por nós adotada, o que significa que é uma verdade com respeito ao passado e ao presente; e o ponto que toca o futuro, o oitavo rei, respalda-se na afirmação do Espírito de Profecia de que o poder papal será restaurado. Mas a teoria do sexto rei cheira a futurismo, e incorre nos riscos que ele representa.

Em matéria de interpretação profética não podemos esquecer que o intérprete não é alguém que, no estrito senso, pré-vê o futuro, mas um aprendiz. A compreensão e a interpretação da profecia se desenvolvem e se aperfeiçoam com a passagem do tempo. Talvez Lutero tenha tido isso em mente quando declarou: “As profecias só podem ser entendidas perfeitamente depois de se cumprirem.” Certamente o grande reformador não percebeu que nesses termos ele acabou definindo uma das premissas básicas do historicismo como recurso de interpretação: o conceito da verdade se amplia conforme os séculos escoam e eventos, há muito profetizados, alcançam um legítimo cumprimento. De fato, a prudência nos ordena respeitar os limites do historicismo.

Devemos, então, atentar para dois pontos importantes: (1) cuidado, muito cuidado em como interpretamos profecias ainda por se cumprir. Enquanto não contamos com um seguro “assim diz o Senhor” confirmando como correta a interpretação, não podemos incondicionalmente aceitá-la como verdade, e muito menos comunicá-la como tal a terceiros; interpretação profética é um terreno muito fértil para a especulação; (2) a profecia não nos deixa em dúvida sobre de onde viemos, quem somos e para onde vamos como Igreja. O cumprimento de Daniel 8:14 marca a nossa origem como o remanescente; a profecia de Mateus 24:14 e Apocalipse 14:6-12 configura nossa missão no mundo hoje; e nosso destino se chama novos Céus e nova Terra nos quais habita a justiça (2Pd 3:13). Somos, portanto, o povo da profecia.

Acordemos de nossa letargia, sacudamos o torpor que nos envolve e disponhamo-nos para o que vem por aí. Em sua trajetória por este mundo a Igreja deparou momentos críticos. Mas ninguém se engane: o pior ainda virá. Por outro lado, Deus já operou coisas grandiosas em favor de Seu povo, mas o melhor e as coisas mais grandiosas igualmente ainda estão por acontecer. Quanto mais negras as trevas, mais fulgurante será a luz de Deus; quanto mais severa a prova mais poderoso o Seu braço para prover libertação; quanto mais ameaçador o inimigo mais retumbante a nossa vitória. Pelo poder da graça.

(Dr. José Carlos Ramos, ex-professor de Teologia no Unasp, campus Engenheiro Coelho; texto originalmente publicado na Revista Adventista de julho de 1999)

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