Até que ponto os adventistas do sétimo dia devem se envolver
com política?
Notícias sobre crises políticas e corrupções governamentais
acabam polarizando a opinião pública dos países afetados. É curioso ver, de um
lado, políticos questionáveis se fazendo de vítimas para continuar recebendo o
apoio popular e, do outro lado, oposicionistas que aproveitando a situação para
se autoproclamarem os únicos salvadores da pátria. A o mesmo tempo em que
vários políticos tradicionais vão perdendo a credibilidade, algumas
denominações evangélicas tem-se mobilizado politicamente, a ponte de montarem
sua próprias bancadas em câmaras de vereadores, nas assembleias legislativas na
Câmara dos Deputados e mesmo no Senado Federal, sob o pretexto de que os
políticos evangélicos são mais honestos e confiáveis.
A
crescente militância política evangélica tem suscitado algumas indagações
importantes entre os próprios adventistas:
1)
Deveriam os adventistas continuar politicamente passivos ou assumir uma postura
mais agressiva diante das crises governamentais?
2)
Como a Igreja Adventista do Sétimo Dia encara a candidatura de alguns de seus
membros a cargos políticos através de eleições públicas?
3)
Que critérios devem ser usados na escolha dos candidatos em quem votar?
No
capítulo "Nossa Atitude Quanto à Política” do livro Obreiros Evangélicos, págs.
391-396 (ver também Fundamentos da Educação Cristã, págs. 475-484), podem ser
encontradas importantes orientações sobre o não envolvimento de obreiros
denominacionais em questões políticas. Já o presente artigo menciona alguns
conceitos básicos sobre a posição dos adventistas como cidadãos, candidatos e
eleitores políticos.
Organização
apolítica
Existem
pelo menos três princípios fundamentais que regem a posição da Igreja
Adventista do Sétimo Dia sobre a política. Um deles é o princípio da separação
entre Igreja e Estado, levando cada uma dessas entidades a cumprir suas
respectivas funções sem interferir nos negócios da outra. A Igreja crê que só
poderá preservar esse princípio por meio de uma postura denominacional
apolítica, não se posicionando nem a favor e nem contra quaisquer regimes ou
partidos políticos. Essa postura deve caracterizar, não apenas a organização
adventista em todos os seus níveis, mas também todas as instituições por ela
mantidas, todas as congregações adventistas locais, bem como todos os obreiros
assalariados pela organização.
A
Igreja encontra nos ensinos de Cristo e dos apóstolos base suficiente para
evitar qualquer militância política institucional. O cristianismo apostólico
cumpria sua missão evangélica sob as estruturas opressoras do Império Romano
sem se voltar contra elas. O próprio Cristo afirmou que o Seu reino "não
é deste mundo" e que, por conseguinte, os Seus "ministros" não
empunham bandeiras políticas (João 18:36). Qualquer compromisso político ou
partidário por parte da denominação dificultaria a pregação do "evangelho
eterno" a todos os seres humanos indistintamente (Mat. 24:14; Apoc.
14:6).
Outro
princípio fundamental é que o nível de justiça social de um país é diretamente
proporcional ao nível de justiça individual de cada um dos seus cidadãos, e que
esta justiça individual, por sua vez, deriva do interior da própria pessoa.
Reconhecendo as dimensões sociais do pecado, a Igreja apóia e mesmo participa
de projetos sociais e educacionais que beneficiam a vida comunitária sem conflitarem
com os princípios bíblicos. Muitos desses projetos são levados a efeito em nome
da ADRA - Agência de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais. No entanto, a
Igreja não participa de quaisquer greves e passeatas de índole política e
partidária que acabariam com prometendo sua postura apolítica.
A
validade de uma perspectiva que parta do interior para o exterior do ser
humano é destacada por Cristo ao afirmar que "de dentro, do coração dos
homens, é que procedem os maus desígnios, a prostituição, os furtos, os
homicídios, os adultérios, a avareza, as malícias, o dolo, a lascívia, a
inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura" (Mar. 7:21, 22).
Conseqüentemente, a solução cabal para esses problemas não está na mera
formulação de novas leis ou no ativismo revolucionário, e sim, na conversão
interior do ser humano. Nas palavras de Cristo, "limpa primeiro o interior
do copo, para que também o seu exterior fique limpo!" Mat. 23:26.
Um
terceiro princípio fundamental é que cada cristão adventista possui uma dupla
cidadania ele é, acima de tudo, cidadão do reino de Deus e, em segundo plano,
cidadão do país em que nasceu ou do qual obteve a cidadania. Consequentemente,
deve exercer sua cidadania terrestre com base nos princípios cristãos de
respeito ao próximo. Mesmo desaprovando situações de injustiça e exploração
social, a Igreja Adventista do Sétimo Dia procura se relacionar respeitosamente
com o governo civil e os partidos políticos de cada país em que exerce suas atividades,
sem com isso comprometer os princípios bíblicos.
Que
o cristianismo não isenta os cristãos dos seus deveres civis é evidente na
ordem de Cristo: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.” Mar.
12: 17. O Novo Testamento apresenta várias orientações a respeito do dever
cristão de honrar os governos civis como instituídos por Deus (ver Rom. 13:1-7;
Tito 3:1 e 2; I Pedro 2:1317). Somente quando tais governos obrigam seus
súditos a transgredirem as leis divinas é que o cristão deve assumir a postura
de que "antes, importa obedecer a Deus do que aos homens”: Atos
5:29.
Candidatos
adventistas
Entre
os direitos do cristão adventista no exercício de sua cidadania, está o de
ocupar cargos políticos. O Antigo Testamento menciona vários membros do povo
de Deus que exerceram funções de grande projeção no governo de importantes
nações pagãs da época. Por exemplo, José foi por muitos anos primeiro-ministro
do Egito, a mais importante nação da época (Gên. 41:38-45). Colocado por Deus
sobre o trono daquele país (Gên. 45:7, 8), José se manteve "puro e imaculado
na corte do rei"; e foi "um representante de Cristo" aos
egípcios (Medicina e Salvação, pág. 36; Patriarcas e Profetas, págs. 368-369).
Daniel exerceu importantes cargos governamentais em Babilônia sob o reinado de
Nabucodonosor, Belsazar, Dario e Ciro (Dan. 2:48, 49; 5:11, 12,29; 6:1-3, 28;
8:27). Com um apego incondicional aos princípios divinos, Daniel e seus companheiros
foram embaixadores do verdadeiro Deus na corte desses reis (ver Dan. caps. 1, 3
e 6).
A
postura de José e Daniel nas cortes pagãs do Egito e de Babilônia,
respectivamente, corrobora o fato de que é possível ser cristão sob governos
não comprometidos com a religião bíblica. Mas o aprisionamento de José (Gên.
39:7-23), o teste alimentar de Daniel e seus três companheiros (Dan. 1), a passagem
desses três companheiros na fornalha de fogo (Dan. 3) e a experiência de
Daniel na cova dos leões (Dan. 6) comprovam que há um preço elevado a ser pago
por aqueles que ocupam cargos públicos em ambientes hostis à verdadeira religião.
O exemplo do rei Salomão deixa claro que boas intenções iniciais (II Crôn.
1:1-13) podem ser corrompidas pela influência de ambientes vulgares (I Reis
11:1-15). Já a atitude do rei Ezequias para com a embaixada de Babilônia
comprova que governantes tementes a Deus correm o risco de se orgulharem de
suas próprias consecuções (II Reis 20:12-19).
É
interessante notarmos que José e Daniel foram nomeados para suas funções
públicas pelos próprios monarcas da época. Mas hoje, na maioria das
democracias modernas, as pessoas precisam se candidatar e concorrer a tais funções
em um processo bem mais competitivo. O fato de existirem políticos corruptos
não significa que todo político seja corrupto. Embora a Igreja Adventista do Sétimo
Dia, normalmente, não encoraje e nem desestimule a candidatura política dos
seus membros, ela também reconhece que a sociedade contemporânea tem sido beneficiada
pelo bom exemplo de alguns políticos adventistas que concorrem honestamente a
determinados cargos públicos e os exercem dignamente, sem comprometerem com
isso os princípios bíblicos. A influência positiva de políticos adventistas
tem sido decisiva, em vários países, para o estabelecimento de legislações que
facilitem a observância do sábado.
A
Igreja espera que os adventistas que se candidatam a cargos políticos
elegíveis sejam honestos em sua campanha e, se eleitos, também no exercício de
suas funções políticas. Cada candidato deve conduzir o seu processo eleitoral-político
(1) sem assumir posturas ideológicas e partidárias contrárias aos princípios
cristãos; (2) sem se valer de recursos financeiros inapropriados; (3) sem
prometer o que não possa cumprir; (4) sem denegrir a reputação de outros candidatos
igualmente honestos; (5) sem se envolver com coligações não condizentes com a
fé cristã-adventista; (6) sem jamais comprometer a observância do sábado em
suas campanhas; e (7) sem minimizar seu compromisso pessoal com o estilo de vida
adventista em coquetéis e confraternizações sociais.
Conheço
igrejas locais que enfrentaram sérias desavenças internas pelo fato de alguns
dos seus membros se candidatarem a vereadores por partidos rivais. É certo que
os membros da igreja têm o direito, como cidadãos, de se candidatarem e
concorrerem a cargos elegíveis, bem como de procurarem convencer outros a
neles votarem. Mas nenhuma programação oficial de qualquer congregação adventista
deve ser usada como plataforma política que comprometa a postura apolítica da
denominação . Candidatos adventistas que usam eventualmente o púlpito devem
pregar o evangelho, sem jamais falar sobre política. Deus poderá abençoar
ricamente os candidatos que exercerem honestamente sua cidadania, respeitando a
posição apolítica da igreja e de seus obreiros, e promoverem a cordialidade e
a unidade de nossas congregações.
Eleitores
adventistas
Os
membros da Igreja Adventista do Sétimo Dia devem reconhecer ser seu dever
individual escolher conscientemente em quem votar. O princípio básico é sempre
votar em candidatos cuja ideologia, crenças, estilo de vida e propostas
políticas estejam mais próximos dos princípios adventistas . Entre os princípios
mais importantes estão: (1) liberdade religiosa, (2) separação entre Igreja e
Estado, (3) observância do sábado, (4) conduta moral, (5) temperança cristã,
(6) apoio ao sistema educacional privado mantido pela Igreja, e a (6)
tentativa de melhorar a qualidade de vida das classes moral e economicamente
desfavorecidas. A posição da Igreja Adventista do Sétimo Dia sobre algumas
dessas questões é enunciada no livro Declarações da Igreja (Tatuí, SP: CPB,
2003).
Ellen
White adverte contra votar em candidatos sem compromisso com a liberdade
religiosa: "Não podemos, com segurança, votar por partidos políticos;
pois não sabemos em quem votamos. Não podemos, com segurança, tomar parte em
nenhum plano político. Não podemos trabalhar para agradar a homens que irão
empregar sua influência para reprimir a liberdade religiosa, e pôr em execução
medidas opressivas para levar ou compelir seus semelhantes a observar o
domingo como sábado. O primeiro dia da semana não é um dia para ser
reverenciado. É um falso sábado, e os membros da família do Senhor não podem
ter parte com os homens que o exaltam, e violam a lei de Deus, pisando Seu
sábado. O povo de Deus não deve votar para colocar tais homens em cargos oficiais;
pois assim fazendo, são participantes nos pecados que eles cometem enquanto
investidos desses cargos:' - Fundamentos da Educação Cristã, pág. 475.
Um
dos maiores problemas na escolha de candidatos é a teoria de que "os fins
justificam os meios": Se determinado candidato, mesmo sem compromisso com
os princípios acima mencionados, promete beneficiar financeira ou politicamente
a Igreja, alguns líderes julgam pertinente apoiar tal candidato em troca
desses favores. Mas esse tipo de barganha política jamais deveria ser tolerado
nos meios adventistas. Acima de quaisquer benefícios coletivos ou individuais,
deve estar o compromisso com os princípios adventistas.
Outro
aspecto de especial interesse para os eleitores adventistas é a votação ou não
em candidatos adventistas. Alguns crêem equivocadamente que, votando em
candidatos adventistas, estariam ao mesmo tempo promovendo a liberdade
religiosa e postergando os eventos finais. Mas é dever de todo o
cristão-adventista exercer sua influência em favor da liberdade religiosa
(Mensagens Escolhidas, vol. 2, pág. 375; Testemunhos para Ministros, págs.
200-203), contribuir positivamente para a finalização da pregação do evangelho
(Mat. 24:14; 28:18-20), e deixar os eventos finais por conta de Deus (Atos
1:6-8).
Como
membros do corpo de Cristo (I Cor. 12:12-31), deveríamos acabar com a falsa
teoria de que "adventista não deve votar em adventista": Essa teoria
só é aplicável a candidatos que não vivem uma vida condizente com os princípios
adventistas ou cuja candidatura visa apenas a obter benefícios pessoais, sem
uma proposta política adequada. Mas, por outro lado, se os candidatos
adventistas são os que mais próximo se encontram dos princípios que sustentamos
e se eles possuem boa proposta política, então, não existe qualquer justificativa
plausível para se descartar tais candidatos simplesmente por serem
adventistas.
Deveria
ser considerada também a questão das eleições no sábado em países onde a
votação é obrigatória. Este assunto foi tratado por Mário Veloso em seu artigo
"Os adventistas e a eleição no sábado"; Revista Adventista (Brasil),
julho de 1986, págs. 19-20. Embora a Igreja Adventista do Sétimo Dia não
discipline os membros que, por iniciativa pessoal, votem durante as horas do
sábado, a recomendação é que isso seja evitado. O referido artigo foi escrito
como um apelo aos políticos brasileiros para que houvesse um "prolongamento
das horas para o exercício do voto, de tal maneira que os adventistas possam
votar depois do pór-do-sol do sábado": A declaração de que Ellen White
votaria até mesmo "no sábado" diz respeito à causa da temperança, ou
seja, à lei seca de proibição da venda de bebidas alcoólicas, em Des Moines,
Iowa, em 1881 (ver Arthur L. White, Ellen G. White, vol. 3, págs. 158-161).
Mas essa declaração não provê qualquer endosso a votação política em dia de
sábado.
Conclusão
A
Igreja Adventista do Sétimo Dia sempre manteve uma posição oficial apolítica de
não se posicionar a favor ou contra qualquer regime ou partido político. Essa
posição é mantida em todos os níveis organizacionais e institucionais da
denominação, inclusive em suas congregações locais. Os obreiros assalariados
pela denominação devem manter a mesma postura. Consequentemente, nenhum púlpito
adventista e nenhuma reunião promovida oficialmente pela denominação jamais
deveria desfraldar qualquer bandeira política. Ele é um lugar onde o evangelho
eterno deve ser proclamado com o propósito de conduzir à salvação em Cristo
pessoas de todas as etnias e de todos os partidos políticos, sem preferências
e discriminações.
Por
contraste, a Igreja faculta aos seus membros o direito individual de exercer
sua cidadania, inclusive a de se candidatar a cargos políticos e de exercê-los
dignamente. Tanto no processo eleitoral como no exercício da função, espera-se
que cada adventista engajado em tais atividades mantenha uma postura digna de
verdadeiro cristão adventista. Todos os políticos adventistas deveriam
considerar a José e Daniel como seus modelos políticos. Deveriam sentir ser seu
dever zelar pessoal e publicamente pela liberdade religiosa e pelos princípios
cristãos em um mundo carente dos valores absolutos da verdadeira religião
bíblica.
Todos
os membros da igreja deveriam votar conscientemente nos candidatos que melhor
refletem os ideais adventistas. A escolha dos candidatos não deveria ser tanto
por partido político, mas pela ideologia e os valores pessoais de cada um.
Candidatos adventistas não deveriam ser discriminados simplesmente por serem
adventistas, exceto se não demonstram uma conduta digna ou não possuam um
plano de governo adequado. O voto de cada adventista deveria ser um testemunho
autêntico a favor da liberdade religiosa que facilite o cumprimento da missão
adventista nestes dias finais da história humana.
Pr.
Alberto Ronald Timm, Ph.D, foi professor de Teologia no Unasp e atualmente é
diretor associado do White Estate, nos Estados Unidos.