terça-feira, setembro 28, 2010

Por que os apóstolos batizavam em nome de Jesus?

Se Jesus disse que o batismo deveria ser realizado “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mt 28:19), por que os apóstolos batizavam em nome de Jesus (At 2:38; 8:16; 10:48; 19:5)?

Antes de estudar o que o Novo Testamento ensina sobre o batismo, precisamos entender o que significava um “nome” para os primeiros cristãos. Para nós, essa é apenas uma palavra que permite identificar alguém ou alguma coisa. Mas, na Bíblia, “nome” tem um significado muito mais profundo e belo. Ele representa todas as qualidades de alguém, seu verdadeiro caráter, tudo aquilo que a pessoa realmente é (ver Gn 11:3; 27:36; Êx 5:23; Nm 1:2; 26:53; 1Sm 17:45; 18:30; 2Sm 8:13; 1Rs 21:8; Is 56:5; Mc 6:14; Lc 6:22; At 1:15; Fp 2:9; Ap 3:1, 4).[1]

O que significa “em nome de Jesus”? – Muitas vezes o Novo Testamento fala sobre o “nome de Jesus”. À luz do que vimos acima, o “nome de Jesus” representa Suas qualidades e caráter. Por exemplo, crer no nome de Jesus é confiar no próprio Jesus (At 4:12; 1 Co 6:11). Ser curado por meio do nome de Jesus é ser curado pelo poder que existe nEle (At 4:7; 16:18). Portanto, ser batizado em nome de Jesus significa entregar-se completamente a Ele e ter um relacionamento com Ele (At 8:16; 19:15; 1 Co 1:13).[2]

A Bíblia de Jerusalém, erroneamente citada por alguns contra a autenticidade de Mateus 28:19, esclarece o que significa ser batizado “em nome de Jesus”: “O batismo é dado ‘em nome de Jesus Cristo’ (cf. [At] 1,5+) e é recebido ‘invocando-se o nome do Senhor Jesus’ (cf. [At] 2,21+; 3,16+; 8,16; 10:48; 19,5; 22,16; 1Cor 1,13.15; 6,11; 10,2; Gl 3,27; Rm 6,3, cf. Tg 2,7). Essa maneira de falar talvez não vise tanto à fórmula ritual do batismo (cf. Mt 28,19), quanto ao significado do próprio rito: profissão de fé em Cristo, tomada de posse, por Cristo, daqueles que doravante Lhe são consagrados.”[3] Ou seja, “nome de Jesus” não era necessariamente uma expressão exata pronunciada por alguém. Essas palavras significam que a condição para ser batizado era aceitar a Jesus como Salvador.

Quantas “fórmulas batismais” existiam? – A Bíblia apresenta três expressões relacionadas ao batismo: (1) “em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28:19); (2) “em nome de Jesus Cristo” (At 2:38; 10:48); e (3) “em nome do Senhor Jesus” (At 8:16; 19:5). Como o livro de Atos apresenta uma fórmula batismal fixa e precisa, que sempre deveria ser utilizada, se esse livro menciona duas expressões diferentes? A explicação mais natural é que, “dadas as variações na linguagem do Novo Testamento, claramente não havia uma fórmula batismal definida” nos primórdios do cristianismo.[4] Negar isso é tentar negar o óbvio.

Os apóstolos eram infalíveis?[5] – Algumas pessoas parecem crer que o livro de Atos é um infalível “manual da Igreja”, ou seja, tudo que os primeiros cristãos fizeram era correto e deve ser imitado por nós. Mas é necessário lembrar que a revelação da verdade é progressiva (Mc 4:33; Jo 16:12, 13; 1Co 3:2) e que a própria compreensão da revelação é progressiva (Mc 9:32; Lc 2:50; 9:45; 18:34; Jo 12:16). Em outras palavras, Deus não revelou toda a verdade em um momento. Mas, mesmo as verdades já reveladas e explicadas demoravam certo tempo para ser entendidas e obedecidas pelo povo de Deus.

Vários exemplos do Novo Testamento ilustram essa verdade. Antes de subir ao Céu, Jesus disse que o evangelho deveria ser pregado a “todas as nações” (Mt 28:19). Apesar da clareza dessa ordem, o livro de Atos mostra que os cristãos demoraram muito tempo para compreendê-la. As palavras do próprio Jesus também poderiam sugerir que, logo após a descida do Espírito Santo, o “reino” seria restaurado “a Israel” e viria o fim (At 1:6-8, 11).

No dia de Pentecostes, da perspectiva daqueles crentes, o evangelho foi pregado às pessoas “de todas as nações debaixo do céu” (At 2:5). Como, para eles, o fim estava perto, venderam todos os seus bens – as posses materiais eram totalmente irrelevantes e os cristãos possuíam um fundo comum para suas posses (At 2:44; 4:32). Essa atitude precipitada levou a igreja na Judeia a severas dificuldades financeiras (Rm 15:25-28; 1Co 16:1-4; 2Co 8-9).

Outro exemplo é a discussão sobre quais grupos de pessoas constituíam a igreja. Vários anos depois da morte de Cristo, os cristãos ainda criam que apenas os judeus eram o povo de Deus. Os próprios líderes em Jerusalém pensavam que apenas os judeus poderiam ser salvos (At 11-12), e muito tempo passou antes que oportunidade de salvação fosse entendida aos não judeus (At 14:27). Mesmo depois os cristãos pensavam que uma pessoa deveria praticar todos os rituais judaicos para seguir a Cristo (At 15; Gl 2).

O próprio Paulo, que falou sobre Israel e a Igreja (Rm 9-11; Gl 2, 3), se submeteu às práticas do voto de nazireado (At 18:18), circuncidou a Tito (Gl 2:3) e praticou sacrifícios e rituais de purificação (At 21:17-26). É verdade que Paulo agia “como judeu, a fim de ganhar os judeus” (1Co 9:20); no entanto, Paulo praticou esses rituais não por simpatia aos judeus não cristãos, mas devido aos líderes cristãos em Jerusalém. No fim da vida de Paulo, nem todos os cristãos judeus compreendiam ainda que a morte de Cristo havia dado término à lei cerimonial.

Alguém poderia indagar: Então os primeiros cristãos eram ímpios e rebeldes contra a vontade de Deus? Não, pois eles viviam à altura da compreensão que possuíam, e isso era o mais importante para Deus. Os primeiros cristãos entendiam a mensagem básica do cristianismo: que Cristo havia morrido, ressuscitado e triunfado sobre o mal; e essa era a mensagem que anunciavam desde o início (At 2:32-36; 13:33-34).

Em que devemos basear doutrinas e práticas? – Um estudo mais aprofundado da Bíblia mostra que existe clara distinção entre textos descritivos e textos prescritivos. Textos descritivos mencionam as práticas das pessoas. Mesmo o povo de Deus pode cometer atitudes que não estão de acordo com o ideal, mas que são toleradas por Deus. Esse conceito é verdadeiro sobre o povo de Deus no Antigo Testamento (por exemplo: poligamia, guerra, divórcio, etc.) e também no Novo (ver acima).

O povo de Deus não está imune aos erros, como é visto na experiência individual de todos nós. As doutrinas e estilo de vida dos cristãos devem estar baseados nos textos prescritivos da Bíblia, ou seja, naqueles que contêm um mandamento ou prescrição, um claro “assim diz o Senhor”.

Por que, então, os cristãos em geral não utilizam as palavras “em nome de Jesus”, mas “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”? Como em outros casos relacionados à prática cristã, essa não é uma escolha entre certo e errado, mas entre bom e melhor. A prática dos apóstolos era boa, mas a ordem de Jesus é melhor.

A doutrina cristã deve ser baseada nos textos prescritivos da Bíblia. Todo genuíno cristão concordará que a expressa ordem de Cristo é muito melhor que as práticas de um ser humano imperfeito (ainda que esse ser humano seja apóstolo ou profeta). Como hoje compreendemos as instruções de Jesus em Mateus 28:18-20, esse texto deveria ser suficiente para encerrar toda discussão sobre o assunto.

Conclusão – Um estudo do Novo Testamento mostra que (1) ser batizado em “nome de Jesus” significava aceitá-Lo como Salvador e Senhor, e não necessariamente usar essas palavras durante o batismo; (2) Mateus 28:19 e o livro de Atos mencionam três expressões diferentes relacionadas ao batismo, o que mostra que os primeiros cristãos provavelmente não possuíam uma fórmula definida e precisa; (3) os apóstolos não eram infalíveis, porque cometeram vários equívocos doutrinários e de comportamento; e (4) devemos basear nossa doutrina em instruções explícitas da Bíblia, e não no que seus personagens fizeram ou deixaram de fazer.[6]

(Matheus Cardoso é editor associado da revista Conexão JA e editor assistente de livros na Casa Publicadora Brasileira)

Referências:

[1] G. F. Hawthorne, “Name”, em International Standard Bible Encyclopedia, ed. Geoffrey W. Bromiley (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1979), v. 3, p. 480-482.
[2] H. Bietenhard, “Nome”, em Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, ed. Lothar Coenen e Colin Brown (São Paulo: Vida Nova, 2000), v. 2, p. 1.400.
[3] Bíblia de Jerusalém (São Paulo: Paulus, 2002), p. 1.904 (nota sobre At 2:38) (ênfase acrescida).
[4] John Nolland, The Gospel of Matthew: A Commentary on the Greek Text, The New International Greek Testament Commentary, ed. I. Howard Marshall e Donald A. Hagner (Grand Rapids. MI: Eerdmans, 2005), p. 1.268.
[5] O restante deste artigo é baseado em uma aula de Wilson Paroschi, Ph.D., professor de Novo Testamento no Unasp, campus Engenheiro Coelho.
[6] Para estudo adicional, veja Ángel Manuel Rodríguez, “The right words”; e Alberto R. Timm, “Em Nome da Trindade”.

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