Como aceitar a idéia de que tenha havido água suficiente para cobrir os mais de 8 km do Monte Everest, durante o Dilúvio? – S.
Prezado S., conforme destaco em meu livro A História da Vida, o Dilúvio de Gênesis foi um grande cataclismo hidráulico, com correntes de água derramando-se abundantemente dos céus e brotando continuamente da crosta terrestre, por todo o mundo, durante semanas a fio, até que todo o globo terrestre fosse totalmente submerso, tudo isso acompanhado por transbordamentos de magma do manto terrestre, por gigantescos movimentos telúricos, deslizamentos de placas da crosta, maremotos e explosões. Tomando estes acontecimentos como modelo, podemos imaginar os resultados correspondentes se ocorressem hoje. Mais cedo ou mais tarde todos os animais terrestres pereceriam. Muitos animais marinhos pereceriam, mas não todos. Os seres humanos nadariam, correriam, subiriam em elevações, e tentariam escapar às inundações mas, a não ser que alguns poucos conseguissem sobreviver ao cataclismo em navios incomumente fortes e à prova d’água, por fim morreriam afogados (e corpos à deriva se decompõem e não fossilizam, daí a escassez de fósseis humanos antediluvianos). O solo erodiria e as árvores e plantas seriam desarraigadas e carregadas na direção do mar em grandes amontoados de torrentes diluvianas. Por fim, as próprias montanhas e colinas se desintegrariam e escorregariam água abaixo em grandes deslizamentos de terra e correntes túrbidas. Lajedos de rochas se rachariam e se chocariam violentamente e pouco a pouco seriam reduzidas a seixos, cascalho e areia. Vastos mares de barro e rocha correriam rio abaixo, prendendo muitos animais (os atuais fósseis) e transportando como em jangadas grandes massas de vegetais com eles.
No fundo do oceano, sedimentos agitados, águas e magma subterrâneos sepultariam hordas imensas de invertebrados. As águas passariam por rápidas mudanças de temperatura e salinidade, grandes massas de pasta fluida se formariam e grandes quantidades de elementos químicos seriam dissolvidos e dispersos pelas correntes marítimas. Posteriormente, os sedimentos sólidos e as águas se misturariam com as dos oceanos. Por fim os sedimentos se precipitariam quando as águas se acalmassem, elementos químicos dissolvidos se precipitariam em tempos e lugares em que a salinidade e a temperatura permitissem, e seriam formadas grandes camadas de sedimento, logo amalgamadas em rochas por todo o mundo.
É claro que isso é apenas um esboço simplificado da grande variedade de fenômenos que acompanharam a catástrofe que foi o Dilúvio. A própria complexidade do modelo faz com que ele se torne extremamente versátil em sua capacidade de explicar ampla diversidade de dados.
No capítulo 7 do livro Patriarcas e Profetas, a escritora norte-americana Ellen G. White descreve vividamente a violência do Dilúvio, à medida em que tragava edificações, árvores, rochas e terra, arrastando-os a todas as direções. A autora chega ao ponto de afirmar que “o próprio Satanás... temeu por sua existência” (pág. 99).
Quanto à possibilidade de ocorrerem transformações topográficas, a História apresenta inúmeros exemplos. Vou citar apenas dois. Em 27 de agosto de 1883, o vulcão da ilha de Cracatoa explodiu e fez afundar a maior parte da ilha, que tinha anteriormente uma área de 40Km2. Em 1950, na Índia, um terremoto transformou a configuração de cordilheiras inteiras na região do Himalaia. Em questão de horas e até minutos, muita coisa pode ser transformada por catástrofes naturais locais; imagine do que seria capaz um cataclismo mundial como o Dilúvio de Gênesis!
Agora, de onde veio e para onde foi tanta água? Primeiramente é bom que fique claro que as características do mundo antediluviano eram bem diferentes das do mundo atual. O consenso entre muitos estudiosos e cientistas é de que a Terra, naqueles dias, era coberta por um dossel, uma camada de vapor d’água, criando um efeito estufa em larga escala no planeta (efeito greenhouse). Esse efeito, devido a uma permanente capa de nuvens na atmosfera interior (troposfera), teria produzido um meio ambiente mais favorável à vida. A Bíblia faz referência a esse dossel em Gênesis 1, verso 6: “E disse Deus: Haja firmamento [atmosfera] no meio das águas e separação entre água e águas.” Então Deus fez o firmamento e separação entre águas debaixo do firmamento (oceanos, lagos, rios) e águas sobre o firmamento (dossel). Disto, pode-se deduzir que as condições climáticas antediluvianas eram bem diferentes das atuais em pelo menos três aspectos:
Não havia chuva anterior ao Dilúvio (o que gerou a descrença dos conterrâneos de Noé quanto à predição da catástrofe).
O planeta era regado pelo orvalho, subordinado à umidade, saturação e condensação. Há indícios de que não sopravam ventos na mesma proporção de hoje.
O clima do planeta provavelmente era o mesmo em toda parte (sabe-se, por exemplo, que áreas desérticas como o Saara, o grande deserto australiano, o Atacama chileno e as regiões ressequidas do oeste americano foram outrora pantanosas e úmidas, com água em abundância. Em outras regiões, hoje áridas, há vestígios de floresta). Mas para que tais condições pudessem existir, era necessária, como disse, uma camada atmosférica de vapor para aumentar a pressão e para manter a temperatura uniforme no planeta através de um efeito estufa global e moderado.
A precipitação de água no Dilúvio pode haver-se dado devido a erupções em grande escala na Terra, o que lançaria uma enorme quantidade de pó na atmosfera fazendo condensar o vapor do dossel (talvez um evento como esse possa ser associado ao rompimento de “todas as fontes do grande abismo”, antes da precipitação da água das “janelas do céu” – ver Gênesis 7:11). Outra possibilidade seria a entrada de pó cósmico na atmosfera terrestre ou mesmo rochas de maior tamanho que poderiam, além de desencadear o processo de condensação do vapor do dossel com sua passagem, romper a crosta terrestre em vários pontos, ao se chocarem contra ela a altíssimas velocidades, liberando, assim, as águas do “grande abismo”, sob pressão abaixo da superfície.
É claro que Deus pode transformar este planeta quando quiser e com métodos que ignoramos. Pode fazê-lo em um instante, uma semana, ou em outro tempo qualquer. No entanto, é interessante notar que Deus, via de regra, utiliza-Se de Suas leis, algumas das quais já conhecemos; outras, não.
Outro fato interessante é que os oceanos contêm água suficiente para cobrir a Terra. Se a superfície da Terra fosse plana, sem montanhas ou bacias oceânicas, ela seria coberta por uma camada de água com 3 km de profundidade (H. W. Dubach e R. W. Taber, Questions About the Oceans. Publication G13. Washington DC: US Naval Oceanographic Office, pág. 35, 1968). Portanto, há água suficiente para inundar a Terra. Antes do Dilúvio, certa quantidade de água estava provavelmente nos mares (não tão vastos como os de hoje), na atmosfera, como já dissemos, e uma quantidade desconhecida de água estaria no subterrâneo do planeta.
Daí surge uma dúvida: 3 km de água são insuficientes para cobrir o Everest, que tem mais de 8 km de altura. Sim, mas é bom que se saiba que durante o Dilúvio, a área onde agora está o Monte Everest era uma bacia na qual sedimentos estavam se acumulando. Isso é evidenciado pela presença de fósseis marinhos no Monte (N. E. Odell, "The Highest Fossils in the World". Geological Magazine 104(1):73 e 74, 1967).
Após o soterramento dos fósseis, atividades catastróficas elevaram os sedimentos a uma altura bem acima de sua posição anterior, formando as montanhas do Himalaia. A maioria das montanhas atuais pode ter se formado de maneira semelhante, durante o Dilúvio ou logo após. Isso sugere que o mundo antediluviano não possuía topografia tão acidentada (com montanhas tão altas) como a que vemos hoje. Após o Dilúvio, essa Terra relativamente plana deu lugar a um planeta com grandes cadeias de montanhas e abismos cuja profundidade chega a vários quilômetros, e que acomodaram as águas diluviais.
Para mais informações sobre este e outros assuntos relacionados à controvérsia criacionismo x evolucionismo, sugiro a leitura dos livros Origens (Casa Publicadora Brasileira – www.cpb.com.br), Em Busca das Origens e Evolução, um Livro-Texto Crítico (Sociedade Criacionista Brasileira – www.scb.org.br).
(Michelson Borges, jornalista e mestre em Teologia)