terça-feira, dezembro 13, 2005

Não somos deuses

Aqueles que acreditam que o ser humano pode se tornar um deus citam o Salmo 82:6 para fundamentar tal crença. Qual o sentido deste verso? – F

Caro F., creio que a resposta dada pelo professor de teologia Dr. Alberto Timm à pergunta semelhante, na edição de setembro/2002, da revista Sinais dos Tempos, lhe será esclarecedora:

“O diálogo entre Jesus e os judeus narrado em João 10:22-42 ocorreu em Jerusalém por ocasião da Festa de Dedicação, instituída no período intertestamentário por Judas Macabeus (I Macabeus 4:36-59). Indagado a respeito de quem Ele era, Jesus confirmou Sua messianidade, Sua capacidade de conceder ‘vida eterna’ e Sua unidade essencial com o Pai (João 10:24-30). Mas os judeus, além de não aceitarem as prerrogativas de Cristo, planejavam apedrejá-Lo por blasfêmia (cf. Lev. 24:16), pois para eles Jesus era um mero ser humano que alegava ser Deus (João 10:33). Em Sua defesa, Jesus declarou que se até mesmo ‘aqueles a quem foi dirigida a Palavra de Deus’ no Antigo Testamento foram chamados de ‘deuses’, muito mais tinha Ele o direito de Se considerar ‘Filho de Deus’ (João 10:34-38).

“’Eu disse: sois deuses’ (João 10:34) são as palavras iniciais do Salmo 82:6, onde lemos: ‘Eu disse: sois deuses, sois todos filhos do Altíssimo.’ No Antigo Testamento, o substantivo hebraico elohim é usado para designar tanto o verdadeiro ‘Deus’ (Gên. 1:1, 26, 27) como os falsos ‘deuses’ (Êxo. 12:12; 18:11; Sal. 97:7). Mas no Salmo 82:6 o termo ‘deuses’ refere-se aos ‘filhos do Altíssimo’, não podendo, portanto, designar falsos deuses ou ser considerado simplesmente uma expressão irônica.

“A tentativa de interpretar os ‘deuses’ do Salmo 82:6 como anjos celestiais ou outros seres perfeitos não é sancionada pelo contexto, que os descreve como ‘homens’ passivos de morte (Sal. 82:7), atuando como juízes injustos na Terra (Sal. 82:2-4). Também não podem ser anjos caídos, pois estes já estão destinados à condenação no Juízo Final (Jud. 6), não podendo mais reverter sua condição depravada, em resposta ao apelo do Salmo 82:3 e 4: ‘Fazei justiça ao fraco e ao órfão, procedei retamente para com o aflito e o desamparado. Socorrei o fraco e o necessitado; tirai-os das mãos dos ímpios.’

“Não podendo ser falsos deuses, anjos celestiais, outros seres perfeitos ou mesmo anjos caídos, os ‘deuses’ mencionados no Salmo 82:6 só podem ser seres humanos constituídos como juízes entre o povo de Deus, mas atuando de forma injusta nos dias de Asafe (autor do Salmo 82). Essa interpretação é corroborada pelo próprio Cristo, ao identificá-los com ‘aqueles a quem foi dirigida a palavra de Deus’ (João 10:35). Ou seja, a eles haviam sido confiados os oráculos divinos, a fim de os transmitirem com imparcialidade e justiça aos seus contemporâneos.

“Além do Salmo 82:6, há no Antigo Testamento pelo menos duas outras ocasiões em que mensageiros de Deus foram descritos explicitamente como exercendo suas funções com prerrogativas divinas. Em Êxodo 4:16, Deus disse a Moisés: ‘Ele [Arão] falará por ti ao povo [de Israel]; ele te será por boca, e tu lhe serás por Deus.’ Em Êxodo 7:1, Deus disse novamente a Moisés: ‘Vê que te constituí como Deus sobre faraó, e Arão, teu irmão, será o teu profeta.’ Mas essas declarações jamais deveriam ser consideradas uma evidência da divinização de Moisés. A pessoa pode exercer uma função específica de Deus, sem com isso se tornar um deus em essência. Isso acontece em ambos os casos citados. Deus sempre continua soberano sobre os Seus mensageiros (Êxo. 4:15; Sal. 82:1), e não há outro Deus além dEle (Êxo. 20:3; Deut. 6:4; 2 Sam. 7:22; Osé. 13:4).

“Em João 10:34-38, Cristo argumenta que se ‘aqueles a quem foi dirigida a palavra de Deus’ podiam ser considerados como exercendo funções divinas na Terra, então muito mais Ele, que era funcional e essencialmente Deus, podia reivindicar para Si todas as prerrogativas divinas. As obras que Cristo fazia ‘em nome’ do Pai testificavam de Sua unidade essencial com Ele (João 10:25, 32, 37, 38). Essa unidade não é compartilhada por nenhuma criatura em todo o vasto Universo (Col. 2:9; Heb. 1:1-14).”

(Michelson Borges, jornalista e mestre em Teologia)

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